Meu último ano com o meu avô.

_ Pepito, leve a janta para "tu abuelo", na fábrica de "hielo" (gelo) . Não te distraias pelo caminho para que não chegue fria. Então a minha mãe amarrava um guardanapo de pano, dando-lhe um nó no alto da marmita, então eu pegava a rua escura a passos rápidos, pois gostava muito de ir , lá brincava com os gatos enquanto o meu avô comia, e me ouvia fazer as tantas perguntas, que tentava responder como podia...Tinha apenas sete anos, um garoto loiro e meio bronzeado, pois viviamos a poucos metros do mar, e todos nós estavamos curtidos pelo sol desde sempre. O meu avô era um homem extremamente simples, que havia sido gruísta e condutor de bonde até a sua aposentadoria, e agora fazia um bico solitário numa pequena fabriquinha de fazer "hielo" , sozinho pela noite adentro, era o guardião e atendia as pequenas entregas de gelo aos comerciantes de peixe.

Ele era muito conhecido na cidadezinha costeira de "San Fernando", nascera lá , e lá viveria até o fim da sua vida. Ganhava peixes dos pescadores, que gentilmente repartia com os vários gatos que lhe faziam companhia , e ele sabia o nome de cada um deles, mas as vezes eu suspeitava que ele os batizava no mesmo instante, mas não tinha lá muita certeza, porque sempre apareciam gatos novos, o que pra ele não fazia a menor diferença.

Pepe, como o chamavam, era forte e movimentava as fortes alavancas do frigorífico, onde as esteiras transportavam enormes blocos de gelo, por um caminho interessante, as vezes entrando por portinholas com cortininhas plásticas, e eu olhava fascinado as peças fazendo o seu trajeto. Era um lugar frio, e meu avô usava botas de borracha e uma capa encapuzada para se abrigar, e lá se destraia enquanto trabalhava. Para ele era um prazer , pois proseava sobre as coisas do mar, as ondas e o pescado.

Em espanhol, a palavra "pescado" é usada somente para peixes mortos, e "pes" para os vivos. Por isso um cardume é de "peses" , por exemplo, só para ilustrar a narrativa.

Sempre vinha pela manhã,com um punhado de peixes amarrados por uma corda, e a minha mãe os fazia de tantas maneiras diferentes, que nunca nos enjoava, a vida era muito simples, buscavamos água na fonte coletiva, e o fogão a lenha era abanado até a brasa aparecer. A minha avó estava enferma, e pouco se levantava, morreria em poucos meses, e era a minha mãe quem fazia tudo.

Eu era um menino muito alegre e vivaz, fazia graça e a minha avó se divertia , mesmo enfraquecida, e eu atendia o seu chamado vindo da cama, queria que lhe contasse sobre o meu dia, que ela saboreava como as últimas gotas de um orvalho. Um relato da minha infância , que registro aqui neste recanto, com nostalgia , mas com um carinho muito grande , dedicando a página ao meu avô .

Depois disso a nossa despedida, com um carro negro esperando o meu embarque até o cais , onde o "barco branco" nos aguardava para a América, e naquela tarde vi um homem chorar em silêncio, sem palavras, onde tudo se traduz , e essa imagem guardo até os dias de hoje. Eu sou um pouco assim, guardado como ele, silencioso como ele, e talvez tenha um coração igual ao dele ...

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 25/12/2014
Reeditado em 25/12/2014
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