PRÊMIO DA LOTERIA NUNCA MAIS!

Dona Dózinha vivia só, em um estado de pobreza de fazer dó. Sua casa, na verdade um casarão cheio de quartos repletos de teias de aranhas, havia muito que não eram habitados, pois a velha senhora se resumia a dormir no velho sofá da sala, ao final da novela assistidas em uma televisão de cores pálidas, que até fez-lhe pensar que o PT havia trocado a camisa e a bandeira vermelha pela cor laranja.

Eram dias calmos e felizes com o pulguento do cachorro se coçando em baixo da pequena mesa, onde pela manhã ela comia um pão, às vezes guardado até uma semana, visto que só saia para ir à feira uma vez no ciclo de sete dias. O café ralo e morno, e o miado do gato que não se atrevia pisar no assoalho, eram suas companhias na hora do desjejum. Dózinha também aproveitava para ouvir as notícias em um velho rádio e conferir os resultados dos sorteios da loteria, pois se uma coisa não podia faltar era a aposta sagrada na difícil loto fácil.

O velho fogão de quatro bocas não lhe animava fazer os quitutes do passado, quando jovem casada ainda esperava seu primeiro dos dez partos que teria. Agora, igualmente aos outros o seu primeiro filho a largara entre aqueles móveis pesados e entalhados, trocando a velha habitação por um quarto de favela na cidade grande, ao julgar que cidade do interior é só pobreza! Bem que eles e os outros nove irmãos e irmãs, nora e genros viviam escrevendo para o quadro “De volta para a minha terra”, do programa do Gugu Liberato. Afinal a vida na cidade grande não é moleza!

E quando ela, a velha senhora, ia a feira fazia a aposta da semana, gastando seu suado real na lotérica da cidade. O sonho dela era comprar um fogão de seis bocas, para que não sabia, já que a comida feita era só para ela e o “Leão” que já sequer urrava, o máximo eram latidos cansados quando alguém se aproximava. Não deu outra, foi à aposta dela premiada, e ela com lápis e papel na mão, e só não morreu de um susto de alegria, porque prometera ao ficar viúva, ao Ambrósio, seu ex, que viveria até ver sua enteada Juventina, conhecida por Ju, bem casada.

Jú parecia não querer que Dózinha, que lhe criará como filha, viesse a morrer, pois já com mais de quarenta e cinco anos de idade optou por ficar solteirona prestando serviços caritatórios na casa da lâmpada vermelha, que tanto combinavam com o giroflex da viatura policial, quando ali no ambientes das “meninas” ia buscar algum bebum inconveniente. Eis que chega a Ju a notícia que sua mãe havia acertado na loteria. A velha senhora já havia ido a Caixa Econômica, retirado parte da grana e escolhia seu novo fogão.

A notícia viajou mais rápido que ônibus da Cometa, chegou aos ouvidos da turma que longe, bem distante, também sonhava com dinheiro fácil. Arrumaram as malas e começaram a viagem de volta. E em um dia em que Dózinha receberia a entrega do seu novo fogão, Ju já se instalara no velho quarto que há anos abandonara, chamando Dó de mãe amada, e garantindo que casaria, pois cansara da vida de “favorecedora do amor”.

Os demais também iam chegando e se apinhado dependências afora.

Dózinha mirou o grande caminhão baú chegando a sua porta, e antes que os funcionários da loja descarregassem o lindo fogão com tampo de vidro, acendedor automático, forno auto-limpante e rodinhas, mandou que o motorista tocasse para a primeira favela e lá desse a qualquer um a peça ela comprara.

Anunciou que doara todo o dinheiro para o Lar dos Velhinhos, e avisou que se desejassem ficar, que comprassem um fogão de trinta bocas, e cada um fosse a cada dia na feira e cozinhassem eles os alimentos. A casa foi novamente esvaziando, e a velha senhora não aposta mais na loteria.

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Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia. Entende que estar só com Deus e a felicidade é melhor que estar aninhado com Carcarás!