A Gula

Carlos Sena 
 
É dos pecados interiores o menos complexo de se entender. Talvez sua maior lição esteja no simbolismo de que "precisamos comer para viver, não viver para comer". Mesmo assim o número de pessoas "boas de boca" é imenso e, nas horas de comer o que menos se faz é lembrar disso como pecado. Na verdade "gula" bem que se poderia chamar de "olho grande", pois aos tempos modernos o que mais estimulam é a gula disfarçada de gastronomia, no bom sentido, claro. Porque os pratos e a diversidade de comidas postos à mesa é imensa e, dificilmente a gente resiste ao nosso "olho grande". 
O outro lado da gula não se pode ignorar. Angústia, solidão, etc., geram em algumas pessoas o desejo de se "vingar" nas comidas. Comem compulsivamente como que transferindo dificuldades internas para esse prazer. 
O pecado da Gula está contido nos cânones católicos e talvez não seja difícil entendê-lo. A vida monástica não combina com ela. Porque o estômago vazio ajuda na elevação da alma. Ou não? Há distorcias como a de Santo Antônio que passou um tempão no deserto pregando e, praticamente, sem comer... O Jejum - prática muito difundida na Semana Santa entre os católicos não seria um corolário disso? 
Fato é que a história dos padres também tá ligada à comedorias. No Nordeste se costuma dizer após o pecado da gula: "comi que nem um padre". Rezou, filho? Não? Então comeu que nem um bicho. Fato é que comer é mesmo muito bom e há um pouco de falso moralismo nesse "pecado". Comer é tão bom que pobre quando morre afogado sempre tem um galhofeiro pra dizer que ele morreu de barriga cheia. Mas que barriga meio vazia ajuda a pensar isso é verdade. E que o jejum tem um pouco dessa lógica pra nos aproximar da ideias isso tem. 
 
(Carlos Sena - da série "7 Pecados Interiores")