ASSÉDIO NA ESCOLA

Se existe uma coisa que não se aplica às mãos de Alberico é o termo mãos bobas. De bobas, mesmo, elas não têm nada. Estão sempre à procura dos brotinhos de seios das pré-adolescentes da escola em que trabalha como inspetor de alunos. Ele sempre as conduz à fila de entrada, merenda e saída envolvendo seus ombros com um abraço lateral, de forma que a mão balouça livremente roçando em pontinhas tenras e rijas. Corre atrás de uma pelo corredor, abraçando-a por trás; à outra consola, fazendo-a sentar no seu regaço. Em todos os casos, eis as mãos.Alberico segura um queixinho aqui, acaricia um rostinho acolá, deixa a mão deslizar num pescocinho, elogia um broche, uma gargantilha, um par de brincos, nunca esquecendo o toque. É do tipo que vê com as mãos e providencia sempre o descuido, a inocência, o sem maldade que acaba – em muitos casos – em violação, abuso, atentado. Quando nada mais grave ocorre essa sucessão de toques, assanhamentos, intimidades e segredos já é, por si só, assédio sexual. Com sutileza trabalham a libido infanto-juvenil, enquanto adultos maliciosos fantasiam livremente, sempre ostentando ares de mansos tios carinhosos.É preocupante notar a confiança de que sempre gozam esses inspetores, amigos da escola, professores até, com o corpo funcional de certos ambientes de trabalho. Todos ficam desarmados e botam a mão (essas de fato bobas) no fogo. Advertências ocasionais de quem vê um pouco adiante são rebatidas como exagero de quem vê maldade em tudo. A razão só chega depois que um pai atento protesta ou processa a escola, ou após abusos mais agressivos, que muitas vezes nem viram casos de polícia, porque todos abafam.Como ninguém viu ainda nada mais grave, as mãos nada bobas de Alberico prosseguem seus passeios pelos pontos turísticos das menininhas da escola. Ninguém estranha, inclusive, sua preferência pelas mais vistosas, as de peles mais lisas, as coxudinhas. Aquelas a quem outros como ele julgam as mais propícias aos seus afetos, às suas atenções e desvelos. A cegueira em redor continua, porque não querendo ver maldade em tudo, as pessoas não vêem maldade em nada.Por essa permissividade são perigosos os corredores, os pátios, os vestuários e as quadras, quando desertos. Esses espaços nunca estão completamente vazios, porque neles encontram-se os Albericos à espreita, esperando as cobaias de sua pureza sonsa, suas ótimas intenções distorcidas. Sua má fé. Por ele ser prestativo, colaborador e obediente como funcionário, basta isso para que todos duvidem do que possa fazer – do que já está fazendo – com tais crianças. Esse descuido imperdoável dos que poderiam evitar a perversão é tudo que não deveria ocorrer numa escola. Trata-se de trair a confiança dos pais, que nunca presenciam esses assédios nem imaginam que eles aconteçam. Espertos, os Albericos sabem quando e onde podem praticar suas maliciosas inocências. Mais do que traição, calar é conivência com o crime crescente, cuja culminância poderá ser – tantas vezes é – tão grave quanto irreversível.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 13/06/2007
Código do texto: T525359
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.