Meu flamboiã querido

     1.
 Certa manhã, fui intimado pela Prefeitua a derrubar o meu flamboiã. Suas raízes, não suportando o peso da terra que com crueldade as aprisionava, tentavam, desesperadamente, fugir.
     2. Mas não escolhiam o lugar da saída. No seu incontido anseio de liberdade, elas estavam arrebentando o passeio público, e pondo em risco os alicerces da minha casa. Resisti, o quanto pude, à intimação municipal.
     3. Quando meu flamboiã atingia o auge de sua beleza, vendi minha casa que, logo em seguida, foi demolida. No seu lugar, construíram um pequeno edifício. Do meu flamboiã não restou absolutamente nada. 
     4. Ele era uma pequena e frágil muda quando, trazido por um amigo, chegou às minhas mãos. Plantei-o com o maior carinho e lhe dei o melhor adubo. Queria que ele ficasse bonito como a buganvília e a hortência que enfeitavam o meu jardim. E ficou. Ele cresceu com surpreendente rapidez. 
     5. De repente, amanheceu florido. Quando a brisa soprava forte, suas flores, inodoras mas belas, caíam suavemente, transformando o chão do meu jardim num imenso tapete vermelho. Dava pena pisá-las, ainda que devagarzinho...
     6. À sua sombra, meus filhos, Paulo e Adriano, jogaram bola; brincaram com os cachorros; e tomaram  demorados banhos  nos cálidos veranicos de Salvador.
     7. Em seus possantes galhos dependurei minhas gaiolas. E como cantavam o meu sabiá e a minha graúna!  Pareciam soltos, no meio da mata, tal o vigor com que repetiam e alongavam seus gorjeios.
     8. Foi, também, dormitório de passarins. Quando o sol começava a se despedir, rolinhas, sonhaços, bem-te-vis e pardais procuravam-no para um tranquilo pernoite. E ao raiar o dia, eles me acordavam com sonorosos trinados.
     9. Sua fronde, imensa e densa, não deixava que o sol do verão baiano castigasse minha varanda, onde eu armava minha redinha amarela, para esperar pelo crepúsculo de janeiro, quando ele parece mais bonito. 
     10. Torci muito para que, no seu fornido tronco, o joão-de-barro construísse uma casinha. Não aconteceu. Mas perigosos maribondos ousaram nele se aboletar e foi um deus-nos-acuda.
     11.
 Deus, infelizmente, esqueceu de perfumar o flamboiã.  Mas eu tinha que lhe dar algum aroma: ao seu lado, juntinho dele, plantei um pé de jasmim, que logo o envolveu num abraço terno e amigo. E ele parecia cheirar...
     12. A  lembrança do meu flamboiã querido estaria perdida para sempre se eu, ao dele me despedir, não o houvesse fotografado.

Todas as vezes que, mexendo nos meus arquivos encontro seu retrato, só falto morrer de saudade!  
     13. É difícil esquecer sua generosa sombra e os passarinhos que nele pernoitavam, e, mal o sol nascia, catavam alegremente. Meu flamboiã querido!
           
          

    

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/06/2007
Reeditado em 17/09/2017
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