FACA MORAL

19-12-2006

A senhora desempregada que esfaqueou o deputado A.C.M. Neto pelas costas nada mais fez que propor um símbolo, quiçá uma reflexão aos demais parlamentares do Brasil. Por mais que seu ato não justifique, tresloucado que foi, ela manifestou a indignação do povo que todos os dias, de alguma forma deseja fazer com que os políticos sintam pelo menos na carne o que os mais simples e pobres sentem – tanto na carne, especialmente no estômago, quanto na alma; na psique; na dignidade quase falida.Quando um desses homens públicos é atingido assim, evidentemente a surpresa é grande. As costas largas da política não conhecem a faca popular, como não conhecem o cutelo da lei, a espada da justiça, porque nada se amola para punir justamente os que fazem os códigos e depois os burlam. Para tais donos da lei, a justiça não é somente cega nessas horas. Também é surda, muda, imóvel.Já as costas do povo brasileiro conhecem bem a faca de tipos como A.C.M. Neto, A.C.M. avô e todos os clãs que se revezam nos poderes. Conhecem a faca de cada parlamentar, executivo e magistrado entre os que passam pelas esperanças populares como nuvens de gafanhotos por lavouras, devorando-as sem piedade. Sabem todos, que os poderes não se esfaqueiam, mesmo quando parece que sim, porque são colegas. Pior ainda, os dois primeiros poderes mantêm o terceiro, que precisa manter a venda ou a cegueira, quando o banco dos réus é mui casualmente reservado a um dos seus.Enquanto a senhora desempregada cumpre pena – o que é de praxe da lei –, o A.C.M. Neto se recupera para desfrutar das mordomias de sempre, custeadas por nós que sofremos no bolso as facadas diárias das tributações excessivas. Dos preços incompatíveis com a realidade. Das roubalheiras que medram nos palácios. Sentimos no bolso e nas costas as facadas da traição diária dos que prometem um novo tempo, um Brasil moralizado, e no fim das contas afundam mais e mais o país, inclusive se autopresenteando com reajustes imorais.Em nossos dias de fúria normalmente contida – ainda bem! – pelas rédeas do raciocínio e do discernimento sociocultural, todos nós, cidadãos decentes como não duvido que aquela senhora seja temos o íntimo desejo de revidar as facadas que levamos cotidianamente nas costas. Ela cometeu um ato errado, mas na pessoa certa... ou na instituição certa, para ser mais exato.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 20/06/2007
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