LEMBRANÇAS DOS FILHOS DE MARIA

Poucos dias antes de falecer, e calmamente sabedora de seu destino, nossa mãe reuniu os nove filhos para simplesmente nos declarar o quanto era orgulhosa de cada um. Pediu perdão pela vida que tivemos até quase adultos, mas afirmou que sua grande felicidade foi ter vivido para constatar que o mundo não nos tornara maus, desonestos, e o melhor de tudo: nem duros e frios uns com os outros.

Não disse uma só palavra sobre quem era mais ajuizado, mais bem sucedido, melhor filho, exemplo de superação, bondade, força, talento e fé. Apenas olhou, exatamente com os mesmos olhos para todos nós, e deixou evidente o quanto nos amava sem qualquer distinção. Nenhuma gratidão a mais, admiração extra ou afinidade sobressalente. Reafirmou que o seu maior sonho foi realizado ao nos ver maduros, bem resolvidos, e saber que o fato de nunca ter tido filhos prediletos nos ensinara também a não ter irmãos prediletos. Tinha certeza de que nenhum de seus filhos seria tratado com reserva, diferença ou preconceito, pelos outros. Mais ainda: seriam todos bons pais, boas mães, por esses e outros ensinamentos.

Quem conheceu nossa mãe, que mal sabia soletrar algumas palavras escritas e assinar o próprio nome, sabe que ela não usou tais termos. Evidentemente estou "literalizando" seu discurso, mas posso garantir que suas palavras soaram muito mais belas e profundas. Muito mais delicadas e sinceras. Muito além do que minha escrita poderia ousar, se tentasse reproduzi-las fielmente.

Nossa mãe era sábia. Soube nos conduzir pelos caminhos espinhosos de uma vida precária e de muito sofrimento, sem se deixar abater. Sem se deixar ceder ao abandono, à lamúria e à desistência. Crescemos como testemunhas protegidas pela sua força de caráter e o amor extremado, que muitos criticaram. E quando crescidos, fomos obrigados a vencer o mundo pela simples vergonha de não sermos um décimo da pessoa que ela foi.

Jamais seremos como nossa mãe. Mas acredito que ela descansa em paz. Lembro-me bem de todas as vezes que perguntei para onde nos mudaríamos, angustiado por tantas mudanças para recantos cada vez mais precários e distantes, tão só para ouvir de novo a confortante resposta: "Não sei, meu filho; só sei que vamos ficar juntos".

Seus filhos estão juntos, mãe... alguns moram em cidades diferentes, mas todos estão juntos.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 30/11/2015
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