Meu pai querido.

Eu sabia que a luz se apagava aos poucos, e que não lhe restava muito mais tempo, então coloquei dois cigarros "Carlston" no bolso, e fui para visitá-lo, sabia que embora fosse proibido, naquelas alturas eu não lhe poderia negar uma tragada .

Ele já tinha duas mamárias e uma safena, pelo infarto, mas se comportava como um adolescente rebelde por estar confinado, e vinha dando trabalho a toda a equipe médica, que não via a hora de eu ir visitá-lo, pois sabiam que ele melhorava de humor quando me via. Sabia disso, e quando largava o turno, corria para o hospital, fazendo de tudo para que ficasse bem. As enfermeiras reclamaram que meu pai havia jogado a comida pela janela, dizendo que não gostava daquela "merda", que aquilo era uma gororoba , e que ele era um homem muito difícil. Eu sabia que não, mas como convencê-los ?

Desta vez ele tinha uma problema grave na bexiga, e estava com uma sonda na uretra, para complicar as coisas, e não deixava ninguém mexer, então quando fui visitá-lo ele me pediu para que o ajudasse a retirar a mangueirinha que o perturbava.

Entrei no banheiro com o meu pai, e fui aos poucos retirando aquela mangueirinha , e pensando, " meu Deus, este homem tão frágil, e amedrontado, é o meu pai querido, que já passou por tantas agruras, e dificuldades, e agora sem reclamar, me pede para retirar essa coisa da uretra...", porque só confia em mim, como em mais ninguém.

Havíamos passado tantas coisas juntos, havíamos trabalhados juntos, ele me dera tantos conselhos, defendera as minhas causas, mesmo sem atendê-las muito bem, e agora estava lá, num quarto recluso, sem liberdade e dependente, que era o pior, e podia fazer tão pouco por ele, a não ser fazer o papel de seu filho, que me pareceu ser o melhor , porque acho que era só que ele esperava.

Quando eu chegava, já vigiava a porta enquanto ele fumava à janela, com aquele avental ridículo que lhe deram, e lhe contava sobre o dia, as notícias, meus filhos, (seus únicos netos, que tanto amava), alguma piada rápida, porque ele adorava o meu senso de humor, e assim acho que lhe dava uma pincelada de vida, e também lhe dava o jornal enquanto conversávamos sobre as notícias do dia , e sobre o "Santos Futebol Clube", que ele tanto torcia. Coisa tolas de pai e filho, mas nas entrelinhas haviam tantos dizeres , que nem posso contar. Enquanto escrevo, me vem um nó a garganta, e uma saudade difícil de suportar.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 09/02/2016
Reeditado em 10/02/2016
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