AMADOR NO AMOR...

Há o amor de cartório; papel passado; quase carteira assinada, que é o casamento. Por essa característica burocrática e de cláusulas matrimoniais muito rígidas, trata-se de um laço em ambos os sentidos: Enlace mesmo, no sentido afetivo de união, e aquele laço que os dicionários registram como armadilha, logo após a definição romântica.

É possível ser feliz nas garras desse amor formal, que declara resultados periódicos e se expõe ao fisco da sociedade. É, sim, mas aí, até a felicidade é construída na ponta-do-lápis, realizando cálculos para saber que arestas devem ser aparadas, que sapos devem ser engolidos e que tipos de vista-grossa são necessários para que um dos dois não "peça a conta" ou "seja demitido".

Essa formalidade que se firma nos ritos do enlace matrimonial se deteriora na rotina do "andar na linha" e no título mútuo de propriedade. Quando os casais reconhecem depois de uns anos, que a rotina embasada nesses itens e noutros tantos "detalhes tão pequenos deles dois" (com licença, rei Roberto) está lhes causando profundos desgastes, institui-se uma fuga da rotina, empreendida com tanto desespero - embora risonho, romanesco e meloso -, que se estabelece uma outra, bem mais acirrada.

No fim das contas, mais um contrato: Ambos mentirem para si mesmos afirmando que o casamento foi salvo, quando se estabeleceu o cômodo e acomodado grau de parentesco no que chamam de amor verdadeiro, por estar livre da paixão. Justo a paixão, que é simplesmente a alma do amor.

Daí concluo que os papéis, o contrato, as juras assistidas por testemunhas e tudo o mais não foram feitas para mim. No fundo, nem mesmo a união estável sem papelada, que acaba virando laço estatutário, ainda que sem estatuto. Creio ter nascido prá informalidade completa nestas questões de amor. Um camelô do afeto. Muito menos que amante, um amador.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 10/07/2007
Reeditado em 18/10/2011
Código do texto: T558921
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