Rotina

Daquela paisagem exígua, parada, monótona, plana para além de todos os lados, tudo já conhecem, desde a estrada, sem curvas, atalhos ou desvios, até a suposta fronteira redonda fincada na ponta do nariz (ou no olhar do vizinho ). Caminham sob a névoa que lhes encobre a visão das manhãs que surgem do outro lado do cenário. São certinhos, não se enganam, tudo está anotado, previsto. Conhecem de cor o trajeto, como mulas obedientes, condicionadas pelo rebenque. Andam pelo mundo com os olhos vazados, cegos pelo entorpecedor sono do marasmo, sem mesmo terem a curiosidade de saber onde põem os pés.

Todos os dias, acordam pela manhã, dormem à noite e se deixam ficar no fundo de um rio ferido pelo tédio, ancorados no lodoso leito, esquecidos de emergirem. Mete-lhes medo o sabor da corrente e é tão confortável ali se deixar ficar. Nada acontece, como se uma mão em luva negra, encobrisse o sol e sufocasse o que resta do dia, numa sombria fascinação.

Quando forças alheias vêm pertubar seu remanso, sufocam-se sem poderem respirar, perdidos dos cheiros de outrora, de rostos macerados pela falta de luz, tristes pela imobilidade, debatem-se presos naquele fundo macio, tragador de ânimos. Com o peito cheio de ansiedade e sonhos, que nem eles mesmos sabem, esperam que lhes surja um milagre, uma deusa, uma fada, um ser de carnes desenhadas, que um relâmpago rasgue as águas, que rompa o seu mundo e que os acorde.

Há um oásis à espera, mas eles não ousam querer buscá-lo, sob o manto da inércia, permitem que sua última gota de sangue seja bebida pelo nada. Morrem entre dois horizontes do limbo: o silêncio e o eco.

lizeteabrahao@terra.com.br