O VÔO 3054

        Eu já não agüento mais ouvir o noticiário sobre o desastre aéreo de Congonhas.  Fala-se nisso de manhã, de tarde, e de noite. No café, no almoço e no jantar. 
       Liga-se o rádio de madrugada, e logo aparece um locutor malhando a  pista de Congonhas, e especulando sobre a crise aérea que anda intranqüilizando o céu do Brasil.

       Quando os comentaristas de televisão começam a discorrer sobre esse lamentável acidente, desligo, imediatamente, o meu televisor. São tantas as opiniões, convergentes e divergentes, que o melhor é procurar alguma coisa pra ler; ou, respeitando os mortos, ouvir um clássico. Vivaldi, por exemplo.

      Não tive parente nem amigo entre as vítimas da tragédia da TAM. Mas nunca um acidente aéreo mexeu tanto comigo.
     Duas coisas contribuíram para isso: primeiro, a lembrança das inúmeras vezes que embarquei e desembarquei em Congonhas; segundo, o fato de terem  meus dois filhos morado, durante anos, em Moema e Vila Olímpia, bairros que ficam no caminho que leva ao polêmico aeroporto paulistano. 

     Quantas vezes, recostado nas janelas dos edifícios dos filhos, tanto na Vila Olímpia como em Moema, cheguei a admitir que podia ser "atropelado" pelos Boeings e Airbus que cruzavam, em vôos rasantes, o espaço desses dois bairros, pouco antes de pousarem em Congonhas.

       Certa ocasião, eu caminhava despreocupado pela Avenida Rouxinol - era a primeira vez que me hospedava em Moema - e, de repente, quase a estourar-me os tímpanos, vi um Boeing  aproximando-se do chão.
 
       O bicho voava tão baixo que, dando uma de tabaréu, procurei refugiar-me sob a marquise de uma loja de sapatos. Pelo rabo do olho, percebi que os circunstantes riam de mim.

     Não liguei. Naquele momento, o que me vinha à cabeça era livrar-me do Boeing. Ele parecia decidido a aterrissar na Cotovia, uma larga avenida da simpática Moema, próxima à Rouxinol.

     Pois é. A todo o momento, a televisão traz uma nova explicação para o desastre de Congonhas. Vai e volta, e culpa-se a "inacabada" pista do movimentado aeroporto, só agora tida e havida como inadequada para pousos e decolagens.

     Perdoem-me, se estou, aqui, a dizer uma descomunal asneira; ou mais uma: mas estou entre aqueles que vêem o acidente aéreo de Congonhas como uma fatalidade.
     Era, infelizmente, o dia daquele Airbus A-320; de sua tripulação; e dos passageiros do vôo 3054. 

     Quantas vezes o mesmo avião desceu em Congonhas, e nada lhe aconteceu? Quantos passageiros, na última hora, desistiram de voar no avião sinistrado? E outros, na última hora, embarcaram no A-320 destruído? 

     Isso, entretanto, não impede que seja rigorosamente investigado o que (ou quem) deu causa à catástrofe ocorrida no discutido aeródromo da capital paulista.

     Acho, porém, que já é tempo de parar com as doridas reportagens insinuando que isto ou aquilo foi o que levou o vôo 3054 a terminar em chamas, numa borbulhante avenida da irrequieta Sampa.
 
     O incessante noticiário da tragédia não ameniza a dor dos familiares das vítimas; muito pelo contrário, reaviva, em cada um deles, a dor pela perda do parente querido, passageiro do avião da morte.

     É o ponto de vista de um cidadão que só viaja de avião porque as rodovias do seu País são todas miseráveis. E voa em avião de carreira (sujeito, portanto, a todo tipo de apagão) porque não dispõe de um jatinho particular nem de um "aéro-oficial" para ver os netinhos - Catarina, Davi e Bernardo - que moram no Rio e em São Paulo.     

      

    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 25/07/2007
Reeditado em 16/01/2008
Código do texto: T579666