O Melhor Presente de Natal

2014, dezembro, dia 24. ruas cheias de pessoas comprando presentes. Na casa da matriarca, local da ceia e amigo invisível, o pé da árvore já não cabia mais presentes. Foi ai que me veio à mente minha afilhada, irmã de onze irmãos. Moradora de um bairro pobre da periferia. Ninguém, além de mim, poderia presentear a menina Yasmim.

Já havia comprado o presente e organizado uma cesta básica com itens de gulosices daquelas adorados por todas crianças: doces, bolachas, pães, balinhas, pirulitos, etc.... Porém, havia protelado de entregá-lo durante o dia. Mas, sabia da importância de fazer um esforço e levá-lo nesta data especial apesar de saber o risco que corria de ir a este bairro extremamente violento. Ao entrar no carro tive medo de seguir viagem e chamei meu filho para fazer companhia. No caminho, ele me perguntava:

__Mãe, por que ir esta hora neste bairro perigoso? Por que este presente?

Era preciso dirigir cautelosamente, o trânsito estava intenso. Sem resposta, continuei viagem. A cada esquina um perigo para se desviar. Nós dois, atentos, acabamos chegando no vilarejo. Na segunda rua, dobrando à esquerda, avistamos a casa.

Lá estava a família sentada à porta. Logo percebemos que as coisas não estavam bem. A mãe com ferimentos no braço. O Pai doentio. Crianças famintas. Jovens de fisionomias abaladas pela droga e delinquência. A porta da casa com sinais de arrombamentos. Nenhuma luz de Natal brilhava na árvore. Aliás, não havia árvore.

Muitos conflitos numa só casa. Fome, drogas, depressão, trabalho infantil, prostituição. Era comum filhos chegarem em casa entorpecidos e arrombarem as portas e machucarem os pais ao protegerem os filhos menores da ânsia psicótica. A mãe tentou explicar seus ferimentos. Mas, disse também:

__ São filhos! Não posso abandoná-los.

As crianças, ansiosas, umas rasgando o presente para entregar para a Yasmim e as outras abrindo as sacolas da cesta básica. Os jovens se retiraram da sala. Mãe e pai falando sobre o fracasso da vida familiar e o desespero da situação que chegou a ascendência.

Não podíamos demorar, o ambiente era arriscado. Fiquei por alguns momentos pasma... Até a pequena Yasmim me abraçar e falar:

__ Madrinha! Obrigada madrinha.

Ao entrarmos no carro perguntei para meu filho:

__ Um bom presente, não foi? Ele me respondeu pensativo:

__ Não mãe. O melhor presente foi para mim. E, continuou __ Eu, um estudante de medicina, sustentado pelos pais, sou um jovem que posso sonhar. E, a partir desta visita sei, vou sonhar mais ainda, depois de ver o quanto há jovens e crianças desiludidos implorando ajuda.

Seguimos silenciosamente até a casa da matriarca para festejar. E naquela noite, ao se abrir cada presente, eu e meu filho nos olhávamos e lembrávamos silenciosamente do melhor presente de Natal.

25 de dezembro de 2014. 3 horas da manhã.

Sônia Portugal
Enviado por Sônia Portugal em 29/11/2016
Reeditado em 19/06/2017
Código do texto: T5837992
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