TUDO DE MÃO BEIJADA

Estamos em um tempo de mudanças velozes, de tecnologias vorazes, de opiniões radiantes com ideias e informações discrepantes. Parece-nos que as pessoas, a despeito de estarem conectadas, nas redes sociais, demonstram claramente estarem distantes. Desse modo, o poder constante de relacionar-se virtualmente, tem suprido aparentemente a necessidade de estarmos presentes fisicamente. O estupendo intelectual e escritor do Império Romano, Sêneca, nos orienta que “dedica-se a esperar o futuro apenas quem não sabe viver o presente”. Em vista dessa ausência, fica evidente que estamos escravizados pelos computadores, smartphones e tablets dia após dia. Por vezes, não nos admira que, uma criança de oito anos de idade, em nosso tempo, traga muito mais informações do que o imperador de Roma de séculos passados. Devemos refletir sobre qual tem sido o efeito dessa nova era, pois nota-se que estamos cada vez mais paralisados. Queremos dizer que estamos utilizando bastante os dedos para digitar, todavia as ações estão se perdendo e estamos nos atrofiando literalmente. Podemos até nos perguntar quanto tempo temos devotado a um sono tranquilo; ou se estamos passando mais horas nos ocupando e não fazendo nada produtivo; estamos nos transbordando de ciências, todavia o que fazemos com toda essa riqueza de conhecimentos?

Em tudo o que almejamos há uma extraordinária faculdade que nos auxilia a modificar o rumo dos fatos: o poder da ação. Igualmente percebe-se que é indispensável, arrazoar, planejar para depois agir. Benjamim Franklin, cientista americano, nos descreveu que “se você falha em planejar, está planejando falhar”. Não basta apenas vislumbrarmos um rumo, ou mesmo, tratar as questões diárias, sem o devido zelo, sem transpormos ideias. Então conjecturamos se são todas essas facilidades de adquirir, de acessar o objeto de desejo, que tem formado pessoas sem muita persistência, sem muita resiliência e resignação perante as intempéries. Uma geração embrionária que pode não demonstrar a mesma coragem, que outrora intuíamos nas atitudes do ser humano. Como estamos vivenciando, há uma percepção da não continuidade nos projetos de vida. Muitos até anseiam vida fácil, trabalho pronto, sem esforço, sem alocar a “massa cinzenta” ao pleno funcionamento. Desejam os louros, mas sem aplicar-se, sem a busca necessária ao desenvolvimento de potencial. Aspiram tudo “de mão beijada”. Aliás, a história nos ensina que a expressão surgiu no século XV, quando os súditos agradeciam uma doação do Rei, beijando-lhe a mão. Na igreja, fiéis que faziam doações eram recompensados pelo privilégio de poder beijar a mão do papa. Nessas cerimônias, chamadas muito apropriadamente de “beija-mão”, os fiéis mais ricos ofertavam terras, prédios ou outros presentes valiosos. A expressão foi documentada em 1555. O papa Paulo IV dividiu as oferendas a Deus em dois tipos: ao pé do altar ou de mão beijada. De lá para cá, a expressão se tornou popular para simbolizar favorecimentos. Normalmente, ofertas de mão beijada são recebidas com desconfiança, lembrando outra frase popular: quando a esmola é muita, o santo desconfia.

Só para ilustrar, há pais que não dizem o que é indispensável aos rebentos, pois apenas são incapazes de assistir o filho lacrimejar. Atenção, Pais! A educação também perpassa por impor limites e não somente em prestar atenção e carinho. Aristóteles, egrégio filósofo grego, nos preceitua que “a educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”. Pode haver o que chamamos de “carinho covarde” em razão de os genitores atenderem deliberadamente certas vontades, só para não ter que ouvir lamentações. Estamos confiando uma responsabilidade às crianças que não é delas. O notável escritor e filósofo prussiano, Immanuel Kant, nos instrui que “é no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.” De outro lado, pode ocorrer que progenitores com traumas vividos na infância, não permitam aos filhos experimentar outros aprendizados, por conferirem tudo de bandeja e “mastigado”. Por conseguinte, não estamos dizendo aos descendentes, veladamente, que eles são indolentes e que não possuem habilidade de fazer o que tem que ser feito?

Porquanto carecemos formar pessoas para encarar o mundo e vencer as batalhas da vida; para serem formadoras de opinião e inspirar outras. É primordial que meditemos sobre o que oferecemos aos sucessores. Vejamos o que está ao nosso redor! As gentilezas que eram notáveis em nossa lida demonstravam a qualidade da educação e agora estão cada vez mais escassas. Ninguém se importa em considerar o outro, em ouvir o outro. O que se apresenta é que cultuamos apenas despejar tudo o que ponderamos no próximo, sem valer-se de filtrar os pensamentos! O mundo do imediatismo se avizinha em reger os lares. Em razão da celeridade de tudo o que vivenciamos, diagnosticamos que parar e pensar devem ser algo constante para desenvolvermos hábitos de sensibilização e autoconhecimento. Por vezes, aprender e propagar a experiência se configura em algo inovador, pois ninguém mais devota tempo ao outro. Logo o intelectual romano, Sêneca, ainda nos alerta que para não cairmos em contrição “a educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida”.

Michael Stephan
Enviado por Michael Stephan em 15/01/2017
Código do texto: T5882872
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