OS ÁCAROS ME INCOMODAM

OS ÁCAROS ME INCOMODAM

Só não gosto da chuva, quando o tempo está muito quente, o ar muito seco e de repente forma pra chover e acaba por chover realmente, subindo da terra aquela fumaça vaporosa, aquele vapor quente com cheiro de terra seca. Não tenho nada contra as intempéries do tempo, mas é que tenho alergia à poeira, ou melhor dizendo, aos ácaros contidos nela. Sei que tem gente que não se incomoda em aspirar poeira, mas eu me incomodo e muito e a primeira reação é o espirro. Pra evitá-lo, tenho que sair de perto do que vai provocá-lo. Porém, se não der tempo e às vezes não dá, sendo inevitável o primeiro espirro, dou vários, um após o outro, e aí a situação vai piorando porque a cabeça dói, a voz altera, flui líquido contínuo das narinas, advindo logo o início de uma coriza, resfriado ou gripe alérgica.

Na verdade, não é apenas através da chuva molhando a terra seca que os ácaros me incomodam. Esses bichinhos (acarinos) invisíveis aos nossos olhos, os quais só podemos vê-los pelo microscópio, estão por toda parte. No meu caso, tenho que ficar longe de onde eles estão, evitando entrar em contato direto com eles. Uma proeza que às vezes eu consigo, às vezes não. Se vou por exemplo, andando na rua e sou surpreendido por um redemoinho poeirento, como vou passando, apresso os passos pra que a repentina avalanche de poeira circular não me envolva, evitando assim, que os ácaros penetrem em minhas narinas, e chego mesmo a protegê-las com uma das mãos pra evitar os primeiros espirros.

Uma outra situação é quando estou em casa e com a boa vontade de sempre auxiliar a minha mulher nas tarefas domésticas. Fico mais a vontade em fazer aquelas que não têm poeira, como lavar e secar os pratos, talheres, etc, porque sei que os ácaros não estão presentes. Mas, se vou varrer a casa, tenho que fazê-lo de modo rápido, antes que a poeira suba, trazendo-me o ataque feroz dos bichinhos incômodos. Nesse caso, acabo comprometendo a qualidade do serviço e a solução é complementar a limpeza com água e desinfetante, o que vai me gerar outro problema: devido a enxaqueca, que eventualmente me tira o bom humor, não posso aspirar cheiros fortes. Então, essa é uma tarefa que deixo para a minha mulher fazer.

Tem outra atividade que adoro fazer: ler! (e também escrever, é claro!), mas a leitura, embora me seja prazerosa, tenho que exercê-la com um certo cuidado. Sou um leitor inveterado de livros, revistas, jornais. Desde que aprendi a ler aos sete anos, jamais enjoei. Se tem uma coisa que gosto é de literatura. Leio para me informar, me instruir, me edificar. E foi por gostar de ler, que passei a gostar também de escrever. Acho inclusive, que se não tivesse pendor para a escrita, mesmo assim, ia gostar de ler. O meu tempo e disposição para ler, só depende de eu estar livre de outras ocupações, entre elas, escrever, o que muito me apraz, uma vez que estou em contato com as letras.

Quando digo que tenho que ter um certo cuidado, uma certa cautela pra ler, é porque os ácaros gostam de se abrigar na poeira ou mofo que ficam nas coisas guardadas, e os meus livros, uma parte os guardo na estante e a outra parte na cômoda. Quando adquiro um livro, a vontade de lê-lo é imediata. Gosto de cheirar livro novo. Gosto de antes senti-lo pelo olfato, para depois degustá-lo com os olhos. Até porque, o livro novo não tem poeira nem ácaros. De vez em quando me lembro de um que já li e me dá vontade de relê-lo. Outro dia abri a cômoda pra pegar um que já tinha lido. Nem verifiquei se tinha poeira ou mofo. Fui logo abrindo-o e folheando-o a esmo, ávido pra querer devorar de novo o seu conteúdo. O cheiro de coisa velha que saiu de dentro dele foi tão forte que tive vários acessos de espirro, e o livro, caindo de minhas mãos, espatifou-se no chão. Saí logo de perto do local pra lavar as mãos e o rosto. Somente depois de algum tempo, voltei pra juntar brevemente as páginas da pérola literária.

O livro citado está velho, com a capa e algumas páginas soltas, mas pra mim, é um exemplar precioso, uma relíquia, que já o reli inúmeras vezes. Trata-se de uma pequena antologia (Poemas e Cartas a um Jovem Poeta) do notável poeta Rainer Maria Rilke, que me foi presenteado por um amigo há muitos anos atrás, que por sinal, desencarnou recentemente. Quando isso ocorre, tiro-os de onde estão guardados e os coloco abertos expostos ao sol pra eliminar a poeira e os ácaros. Por fim, acresço a esta prosa, que enquanto a chuva caía vagarosa molhando o piso seco e poeirento da área lateral livre da casa, tive que me afastar do PC, cuja mesinha fica bem próxima da porta de acesso à área lateral. Só após a cessação da chuva é que voltei a ficar diante da telinha virtual, aspirando, não a poeira seca, mas a aragem fresca da tarde que adentrava na casa. Desse modo, encontrei motivo agradável de inspiração para escrever estas modestas linhas prosaicas.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 14/05/2017
Reeditado em 30/11/2020
Código do texto: T5998597
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