ESCREVER COM MAU HUMOR

ESCREVER COM MAU HUMOR

" Chegou meu dia. Todo cronista tem seu dia em que, não tendo nada a escrever, fala da falta de assunto. Chegou meu dia. Que bela tarde para não escrever! " Ao Respeitável Público, Crônica de Rubem Braga.

Pode ser mesmo que hoje seja o meu dia. O dia em que não tenho vontade de escrever sobre qualquer assunto. Todo cronista passa por este vexame jornalístico ou literário. Uma vez que, a crônica, habitualmente, é publicada num jornal, e ele, por dever de ofício, tem que escrever e enviar qualquer coisa (às vezes diária, em dia alternado ou semanal, etc), para depois de algum tempo, segundo uma certa quantidade de textos, se não forem medíocres, o escritor/cronista almeje reuni-las num livro. Talvez até neste momento, me falte a paciência, a criatividade, a inspiração necessária para escrever, porque, pessoalmente, para quem se ocupa com a arte de escrever, o mau humor também aparece repentinamente, sem que você possa detê-lo, e decerto, hoje, neste instante, não sei como anular este maldito mau humor para que o bendito bom humor prevaleça nesta mera crônica. E bem sei o quanto é angustiante, traumatizante e decepcionante, sentar-me diante da página em branco do Word e não ter a mínima capacidade intelectual para preenche-la.

Eu sei que assunto não me falta, porque a vida segue a sua ação cotidiana contínua de mover-se naturalmente para que os fatos aconteçam. Mas eu não estou interessado em saber de qualquer fato agora, seja ele relevante ou irrevelante. Seja ele banal ou inusitado. Seja ele humanitário ou catastrófico. Ou então, seja ele decente ou corrupto. Só sei que os fatos ocorrem todos os dias, mas se o meu mau humor não me permite sabe-los nas instâncias que ocorrem, tenho que ignorá-los momentaneamente, para saber deles amanhã, depois de amanhã ou qualquer outro dia, em que me sinta bem humorado, com a alma leve, com a consciência serena, com a vontade deliciosa de amar e ser amado.

Eu só não quero, meu dileto leitor, minha distinta leitora, que se incomodem com este meu jeito instantâneo de escrever esta desinteressada crônica, porquanto, realmente, não tenho a minima vontade de escreve-la, tampouco de passar o meu irritante mau humor pra vocês. Contudo, se acaso quiserem lê-la, se acaso estiverem com boa vontade pra ler uma crônica que não vai lhes transmitir bom humor, que não vai lhes serenizar o espírito, que não vai lhes acrescer um oportuno momento de agradável leitura, peço-lhes que desistam, peço-lhes que não se deem a descabida tarefa de ler-me. Porque não vale a pena, mesmo que tudo valha a pena, quando a alma não é pequena, como diria o poeta. Se pelo menos eu soubesse a causa que me motiva o mau humor, como por exemplo, uma enxaqueca crônica que me incomoda há vários anos, aí sim, eu saberia o que fazer: tomaria de imediato um comprimido pra combater essa terrível cefaléia e me trancaria no quarto com a luz apagada pra tentar dormir. Quando acordasse, certamente, ela não estaria mais me importunando, e eu não estaria aqui de mau humor escrevendo sem qualquer vontade.

Mas, infelizmente, agora, o meu mau humor provem de um motivo que não sei. O que sei é que, apenas emerge de mim algo indefinido, algo hesitante, algo que não quer se revelar. Às vezes, o ser distinto que mora em nosso corpo, que tão pouco o conhecemos, nos deixa assim: sem a paz que nos acalma, sem saber como nos conhecermos, sem saber como acharmos o caminho da luz, sem quase nenhuma inspiração para escrever um texto que nos ilumine, que nos edifique, que nos deixe esperançosos em aprendermos com as lições de vida que experimentamos no dia-a-dia, para que possamos merecer um glorioso porvir existencial.

Eu sei que não me cabe aqui, com esta minha insistência inútil, está tentando prender vocês a uma leitura que pode não está lhes interessando, até porque, a mim, que a escrevo, não está. E, se esta crônica, escrita sem vontade, não compraz a quem a escreve, talvez não agrade também a quem está lendo-a, nesse caso, devo encerrá-la o quanto antes, porque assim, além de conservar um resto de bom humor no íntimo do leitor/leitora, que leu-a (será que o texto foi lido com prazer?) até o seu final, vou tentar melhorar o meu mau humor me livrando do que não quis escrever, mas, por força do hábito, escrevi.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 16/06/2017
Reeditado em 17/06/2017
Código do texto: T6029304
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