Morena Rosa conversa com o ditador norte-coreano King Jong-un

Noite tranquila e céu estrelado naquela madrugada na cidade do Alegrete, região oeste do Rio Grande do Sul, em agosto de 2017. De repente, do nada, toca a música “Canto Alegretense”, quebrando por completo o silêncio dominante naquela casa de porte médio de um bairro residencial da região norte. Esse é o toque do telefone celular da Morena Rosa depositado naquela mesa ao alcance de uma braçada da própria deitada junto ao marido na cama de casal ao lado.

Ela atende e senta-se na cama. Do outro lado da linha, um tradutor do inglês para o português a serviço do presidente norte-americano Donald Trump fala:

- Boa noite! É a Morena Rosa?

- Boa noite! É ela mesma: a Morena Rosa rebocada de rouge e batom...

Ela gosta de referir-se assim a si mesma desde que foi homenageada com a música “O tranco da Morena Rosa”. Na verdade, desde pequena gostava de maquiar-se, lambuzando o espelho do banheiro... Dorme sempre assim porque já é um aspecto incorporado à sua identidade bagualmente feminina.

- Aqui é o presidente dos EUA, Donald Trump. Você ainda não me conhece, mas, depois de reunir-me no Pentágono com o FBI e CIA – nossos serviços secretos – e os chefes militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, seu nome surgiu diversas vezes na conversa como melhor mediação diplomática para acenar uma possível relação com o ditador norte coreano Kim Jong-un, nosso inimigo.

- Qual é o problema? Se der para a gente resolver, a gente resolve... Mas, certamente, sempre saí bem de qualquer situação e não será diferente dessa vez.

- Com certeza! O fato é que este homem está atazanando a minha paciência ao adotar uma política exterior contundente de provocação e confrontação. Ele tem realizado testes balísticos com mísseis intercontinentais que alcançam distâncias cada vez maiores. Como seu programa nuclear está em fase de conclusão, os riscos para nossos aliados Coreia do Sul e Japão, nossa ilha do Pacífico que se chama Guam, onde temos uma base aérea, e nossa costa oeste são muito grandes.

- O que mais?

- Um fato inusitado elevou a tensão entre nós e este país. Em 19 de junho, o jovem norte-americano Otto Warmbier morreu em Cincinnati, EUA, uma semana após retornar da Coréia do Norte, onde havia estado preso por mais de um ano sem razões aparentes.

- Então, qual é o plano?

- No aeroporto de sua cidade, já está à sua espera um helicóptero do seu país – da FAB – que a conduzirá ao aeroporto de Rio Grande, RS. Lá, um avião militar norte-americano já está aguardando sua chegada. Partirá, logo em seguida, para a Base de Anderson, em nossa ilha de Guam, no oceano Pacífico, próxima à Península Coreana. Você entrará, então, num submarino, chegando à uma praia da Coréia do Norte num carro anfíbio. Sua missão é manter um canal aberto de diálogo com Kim Jong-un.

- Estamos combinados! Farei a minha parte.

- E nós faremos a nossa. Boa sorte!

A Morena Rosa dá um pulo rumo à porta do quarto. Na copa, prepara um cafezão para tomar com o maridão. Conversa animada e muita alegria porque é esse tipo de desafio que a deixa feliz, de bem com a vida! Joga umas roupas na mala, um abraço e um beijo e já está voando rumo à cidade de Rio Grande. Tudo acontece conforme o planejado. Uma coisa depois da outra. E, no outro dia, ela já está entrando no submarino na ilha de Guam no Pacífico em direção à praia norte-coreana. Um acordeonista do Alegrete e um tradutor a acompanham.

O Departamento de Estado norte-americano já havia anunciado ao Governo norte-coreano que uma diplomata “locomotiva do trem da paz”, “semeadora da esperança” e “construtora de pontes” chegaria, nos últimos dias de agosto, num carro anfíbio numa praia alguns quilômetros ao sul da capital Pyongyang.

Manhã ensolarada e, de repente sai da água um Land Rover fechado e estaciona na praia no local combinado. King Jong-un, imediatamente, fica sabendo e dirige-se ao local de helicóptero. Comunica seu Alto Comando que quer vinte mil soldados na beira da praia para a execução de uma parada militar com banda e marcha sincronicamente preparada.

Sai do carro a Morena Rosa, linda mulher morena gaúcha de vinte e oito anos, cabelos cacheados e olhos verdes, com saia e blusa em consonância com o lugar onde se encontra e a missão diplomática que virá logo a seguir. Ela conversa com o acordeonista e o tradutor enquanto é montado, de forma rápida, um palanque enorme. Cruzam por ali dezenas de ônibus, trazendo os soldados para o desfile que começará uns quilômetros mais adiante.

No palanque, localizado uns quatrocentos metros da praia, já estão dispostos o ditador norte-coreano Kim Jong-un e seu Alto Comando Militar. Algum tempo depois, sons instrumentais de forma cadenciada se fazem ouvir, anunciando a chegada de vinte mil soldados em marcha marcial impecável. Morena Rosa deverá deslocar-se, após a chegada da tropa, uns trezentos metros ao longo da praia para, então, estar diante do palanque governamental.

Completado o desfile, todos os olhos estão focados na Morena Rosa, inclusive binóculos e lunetas de atiradores de elite provenientes de lugares insuspeitados. Ela começa a mover-se com as próprias pernas... Referir-se a este deslocamento humano com o verbo “caminhar” é tão pobre que chega a ser triste... Não é um passo... Não é um gingado... Não é uma luta... Não é uma dança... É o tranco da Morena Rosa!

Referindo-se a ele, de forma humilde, ela diz:

- O meu tranco é um pouco menos que muito mais do que tudo isso!

Em pleno tranco, naturalmente ritmado, a Morena Rosa rebocada de rouge e batom exala toda a sua feminilidade na firmeza de um corpo juvenil e mobilidade de todas as suas curvas... Ela vem com tudo!

Todos os homens – soldados, comandantes e ditador – estão embavecidos! Para aquele fenômeno ambulante, gracioso, estonteante, prazeiroso, trezentos metros de distância coincidem com o infinito... Nem Albert Einstein seria capaz de explica-lo. É muita areia para o caminhãozinho de cada um dos que a contemplam. Há desconforto na tropa e no palanque governamental. Um estado de estafa, tonteira, embriaguez, pré-hipnose toma conta dos dois grupos. É quase um estado de inconsciência... Ninguém aguenta... É demais...

Também estes se tornaram vítimas agradecidas da letra da música:

- “A doçura da Morena Rosa da vontade da gente provar”. “O semblante da Morena Rosa, lua cheia de felicidade”. “Quanto mais sarandeia, o corpo incendeia de tanta vontade”.

Todos perdidos na linha do tempo, ninguém sabe como ela chegou até lá... Mas ali está ela diante do presidente Kim Jong-un. Ele abre e fecha os olhos algumas vezes, tentando recompor-se consciente de que um soco do Mike Tyson teria efeito menor. A voz melodiosa da Morena Rosa chega-lhe aos ouvidos:

- Posso ajuda-lo de alguma forma?

Ela diz segurando-o pelo ombro e cotovelo esquerdos para que ele não caia... Ele recusa-se a entrar na limusine. Deseja caminhar ao seu lado. Nunca havia experimentado algo parecido antes... Chegou a dizer-lhe:

- Eu ainda não vi de tudo, minha filha.

Ela respondeu:

- O senhor precisa descansar. Está ofegante!

Eles caminham mais um pouco lado a lado... Ele apoiado num auxiliar militar, logo nota que seu estado está se depauperando progressivamente e resolve convidá-la a entrar na limusine rumo ao Palácio Imperial. Ela entra, perfumando a cabine.

Ao chegarem no Palácio, entram numa imensa sala de estar e jantar toda mobiliada com estofados. Ele senta-se no sofá, e mostra-lhe entre lágrimas as fotos de seu pai Kim Jom-Il e seu avô Kim Il-sung. Coloca-as numa caixa dourada e oferece-lhe como presente.

Ela fica lisonjeada por tão distinto presente e, em retribuição, canta para ele três músicas gauchescas com o auxílio de seu acordeonista:

- “O tranco da Morena Rosa”, “De chão batido” e “Na bailanta do Tibúrcio”

Visivelmente emocionado e agradecido de poder participar de todo aquele arroubo artístico de feminilidade, ele recebe da Morena Rosa um CD com as canções vencedoras das trinta e oito edições da Calhandra de Ouro da Califórnia da Canção Nativa.

Morena Rosa levanta-se, aperta forte as mãos de Kim Jong-un, e chama-lhe de “Amigo”. Ele despede-se dela de forma emotiva – algo inimaginável, até então, no Alto escalão governamental da Coréia do Norte – e a conduz à limusine que a deixará na praia. Ao chegar na areia, ela começa a mover-se até o mar. Aí o tempo parece parar... para todos os que a assistem. O tranco da Morena Rosa rebocada de rouge e batom reina absoluto! Ela entra no mar com a intimidade de uma sereia e mergulha rumo ao carro anfíbio estacionado lá no fundo.

Cumpriu-se a missão! Está aberto um canal de diálogo com o governante norte-coreano Kim Jong-un. Agora, um amigo!

Miguel Wetternick
Enviado por Miguel Wetternick em 28/08/2017
Reeditado em 02/09/2017
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