IMPOSIÇÕES SOCIAIS

Daria tudo para saber qual artigo da constituição brasileira ou do código penal proíbe a combinação de determinadas cores. Queria entender de qual punição é passível quem decide comer da culinária japonesa com garfo, observando apenas os princípios de higiene e moderação. Às favas a etiqueta, as tradições e os costumes, havendo este conceito simples de liberdade. Boas maneiras, a meu ver, são aquelas que não enojam, prejudicam, ofendem ou constrangem justificadamente.

Digo isso de tudo quanto cerca o ser humano: Moda, culinária, decoração, comportamento público. Se além dos danos especificados os códigos de ética estão mantidos, nada é de mau gosto ou de mau alvitre. São questões pessoais essas quebras de protocolo, costume, rotina e consenso. Quem o faz sem ser hilário, grosseiro, deselegante ou deseducado não quebra grandes coisas. Simplesmente faz uso de sua liberdade.

Ser intelectual, por exemplo, não desagua na rígida obrigação de só gostar de música erudita, filme e papo "cabeças" ou pintura abstrata. Nem significa ser inteligente. Informado sim, detentor de saberes, mas não obrigatoriamente inteligente. Na mesma linha do raciocínio, a baixa escolaridade não determina que alguém é "tapado", desprovido de raciocínio. A história prova o contrário com os grandes gênios de todos os tempos, que não tiveram bom desempenho escolar ou sequer frequentaram salas de aulas.

Gostar de pagode e feijoada, música sertaneja e contação de "causos" não tem que ser próprio do populacho. Nem impróprio para as elites. Muitas vezes quem torce o nariz em público, para tudo isso, cultiva secretamente o gosto e a prática da chamada breguice. No entanto, basta o Caetano Veloso num desses surtos oportunistas vir a público determinar que o brega é chique, para que toda a soçaite faça coro numa clara demonstração de sua superficialidade e ausência de conceitos próprios.

O povo sabe que gosto realmente não se discute, como sabe preservar e defender os seus gostos com a originalidade inexistente nas classes que acham que gosto não se diz, incute. Classes bestas e separatistas que tentam estabelecer o que é de pobre, o que é de rico, o que é de bom e de mau gosto. A mesma gente preconceituosa que aceita o Pelé rei do futebol, mas não o aceitaria rei do golfe, ministro da música clássica ou candidato a papa, por questões de berço, etnia, genealogia, tradição.

A sociedade universal seria de fato feliz se cada um pudesse, ostensivamente, ser quem é; ter gostos individuais; estabelecer conceitos próprios e livres de vigilância ou censura. Imagino quanta gente esconde aspirações, preferências, conceitos e impulsos apenas para seguir padrões inúteis e de fachada, sendo que o que deseja não feriria a lei, não atentaria contra o pudor, a ética, a boa educação e a cidadania.

No mundo com que sonho, a moda não seria ditada. Não haveria Deus imposto. É claro que existiriam o bem e o mal, nos limites da humanidade, pelo que o crime continuaria sendo crime... Mas pecado, não. Nada seria pecado, porque isso não fere o direito alheio, é de foro íntimo. Se todos deveriam, por iniciativa pessoal cultivar a moderação, a gentileza, os costumes dignos e outros princípios já citados, nada seria, em meu mundo, por etiqueta; formalidade; protocolo; imposição social.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 16/08/2007
Reeditado em 24/01/2008
Código do texto: T610175
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