Os anos de farinha

O que se passou a partir de 1968 já é chamado de história. Os momentos que se sucederam nas mãos dos jovens da década de sessenta, adultos nas décadas de setenta -oitenta- noventa, mexeram com a humanidade. Certa mutação nos hábitos e costumes fez brotar os caules daquelas cepas que frutificaram em terceira ou quarta revoluções culturais. No meio destas mudanças difundiram-se anseios coletivos, suportados na evolução tecnológica e na esperança.

O primeiro anseio foi todos sermos realistas. Hoje somos volúveis. Não somos muito propensos a encarar a realidade de perto e de frente. Preferimos manter uma tendência de fantasiar nas cores e formas mais individualizadas. Temos, muitas vezes, a compulsão pelas soluções feitas e tidas como mágicas. Por isso, aceitamos as respostas de curto prazo para verificarmos os resultados pretendidos, contudo logo nos frustramos, porque o que era o sonho, não se concretiza em realidade. Nem cremos mais em milagres. Lógico que não existem milagres, pois assumimos que a realidade não depende deles, já que é plena ao ser completada pela realidade virtual.

O segundo anseio foi de sermos independentes. Agora somos, por mais vezes, comodistas e oportunistas, preferindo que façam por nós, tudo aquilo que temos o dever de fazer. Adotamos sem questionar, o que se apresenta que se torna o que ora o fazemos: que independência é essa então?

O terceiro anseio era sermos eficazes. E como somos eficazes hoje em tangenciar os problemas. Nos capacitamos desde novos a analisar superficialmente as situações presentes, embora nem sempre nos contentemos com essa parcialidade. O desinteresse sobre o âmago das questões traz uma maior dificuldade em solucioná-las. Este é o enigma dos novos tempos: a solução é a evolução da revolução.

O quarto e último anseio foi o de alcançar o equilibrio. Somos agora o contrário disso. Muito de nós são instáveis e passionais. Vivemos normalmente com variações de euforia e depressão, a cada dia. A instabilidade personal é a maior verdade deste século. A tecnologia é a fonte das alegrias e dos ódios. Nosso irmão siamês é o nosso grande irmão.

Cinquenta anos se passaram no mostrador do relógio da sala de estar. Não ficou registro algum do movimento dos ponteiros. Somente o seu som é o mesmo, mas nem o cheiro do verniz existe mais.