Pedradas

Uma pedra atirada em nossa direção é para doer bastante. Causa danos. Desde que existimos e deixamos de ser apenas pedra, encaramos muita colisão. Uma jornada de infinitos desafios. O maior e recente destes foi alimentar uma população que inventou de crescer sem parada. Foi preciso controlar o fogo, forjar metais, domesticar plantas e animais. A pedra no meio disso tudo, donde a criação da roda fez mover a pedra, daqui e levar ali!

De guerra em guerra por pedras, o mundo continuou seu inchaço de gente. Ano vai, ano vêm, doenças e descobertas, sucessos e embaraços no domínio de uma natureza ferina.

As pedras rolaram, enquanto os desafios não paravam de vir, cada vez maiores e, ainda por cima, mais pedras continuavam lá, bem no meio do caminho, no meio de tudo o que se pisa ou toca, por mais que as retiremos dali. Sem início, nem fim, somente pedras no meio de tudo!

Em nome da pedra, muito se profanou, se mentiu e se cometeu injustiça. Tantas vítimas sucumbidas a pretexto do bem-estar de transformar pedra para o uso. Para a pedra, ergueram-se templos suntuosos e artísticos! Construídos sobre cadáveres, sobre expulsões, sobre outros tantos desafios desfeitos. Virou objeto de culto de nações e dos povos, assim que deixou de ser apenas pedra, lapidada para beleza ou dada a forma humana. Prestavam-lhe sacrifícios sem restrições. Então para sempre foi motivo de socialização, de comunicação, de desejo interessado e de prazer intenso. Assim, se fez poliglota, universal, globalizada em si mesma, numa hiperinteratividade, tal qual homem dentro da pedra modificada. Seu nome é piloto. A planta cultivada em pedra derretida ou misturada é plantação. Aviões são pedras voadoras, navios são pedras boiantes, bombas atômicas são pedras destrutivas e agora, temos também foguetes que são pedras espaciais, vindas deste planeta.

Ela, a pedra, era todo um destino. Era sólida e, no entanto, se desmancha em areia na água e no vento, desdizendo o sem fim que comporta em tudo que se transforma, mas volta em outro lugar, outro momento, como pedra tesa e coesa.

Em nome da pedra, fizeram-se e desfizeram-se leis, ergueu-se todo um mundo, sem cogitar descanso no sétimo dia. Dura vida de pedra. A pobre pedra, obrigada a assistir a toda sorte de cortejos inimagináveis e, cada vez, mais pompa, mais exageros. Agora, fazem da pedra, a inteligência artificial, em conectividade de loucura de pedra.

Só restou à pedra, a esperança do tempo e do chão, horizonte finito do homem. Voltará a ser presa livremente em quilômetros de placas sobrenadantes, num corpo celeste incandescente de tanta pedra líquida, requentada.