AS PRIMEIRAS PALAVRAS

O pirralho do vizinho demorou bastante a falar. Começou com mais de três anos. Mas era uma criança esperta. Começou logo a brincar na rua e sabia brincar de tudo. Jogava bola, jogava pedra em cachorros e gritava mais alto que todos os meninos.

Quando iniciou as falas, ficou muito tempo com um vocabulário escasso. Além disso, falava tudo truncado. As duas primeiras palavras que aprendeu a falar, não saíam de sua boca. Ele sempre as dizia em alto e bom som. Às vezes em separado, e às vezes tão juntas, que pareciam a mesma palavra. Levei meses para saber o que significavam pôia e calalo. Não houve dicionário que decodificasse para mim. Procurei em tudo quanto é canto, e nada. Nenhuma fonte. Nenhuma pessoa soube me dizer.

Só tive como saber o que eram pôia e calalo, no dia em que o moleque levou um tombo e a mãe correu, em desespero, para socorrê-lo com álcool iodado. Quando a pobre mulher passou o álcool no joelho ferido do menino, rapidamente compreendi o que pesquisei por tanto tempo, sem nenhum resultado. Também percebi que nunca estive só em minha ignorância com relação ao vocabulário estreito e complexo da referida pestinha. Em especial, no tocante ao mistério dos dois inseparáveis e distintos vocábulos.

Todos ficaram visivelmente assustados e boquiabertos com a imediata compreensão das tais palavras complexas, ao escutarem os gritos desesperados do menino: “Chega, mãe! Chega, mãe! Essa Pôia tá doeno pla calalo!”.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 28/04/2018
Código do texto: T6321029
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.