O dia em que o aposentei

Era uma quarta-feira cinzenta. O despertador tocou e acordei meio indisposta. Arrumei-me, tomei café bem rápido e fui.

Chegando ao trabalho, como nos outros dias, comecei a atender.

- Próximo!

Então ele se levantou.

Nosso encontro foi marcado desde o início do ano por meio de um call center e nem sabíamos.

O recebi com um sorriso no rosto e ele, após passar as mãos inquietas na camisa para secar o suor, apertou as minhas. O convidei para sentar e ele o fez apressadamente como se já tivesse perdido bastante tempo. Ao sentar, logo puxou uma pasta azul e passou a folhear os documentos que lá estavam muito bem guardados. Suas pernas balançavam no mesmo ritmo que o seu nervosismo e eu o observava cuidadosamente todo o tempo. Foi então quando, de repente, ele levantou o rosto e nos olhamos nos olhos pela primeira vez.

Naquele momento, eu soube que eu não poderia deixar a repetição dos dias e das coisas me transformar em máquina, seja de escrever, seja de calcular. Não poderia deixar o cansaço ou o estresse do trânsito atrapalhar.

Com isso em mente, comecei a analisar os documentos e as informações dos sistemas.

Ao olhar as suas carteiras de trabalho tão cheias de vínculos empregatícios pude perceber o quanto ele trabalhou. As páginas denunciavam a passagem do tempo e os intervalos entre um vínculo de trabalho e outro denunciavam as dificuldades.

Apesar dos olhos curiosos, não deu para saber se os seus empregos foram bons, mas ele fez eu ter orgulho do meu.

Nem sei se era assim como eu a pessoa que ele esperava que o recebesse, na estação, quando desembarcasse de sua vida laborativa.

Confesso que se eu soubesse que, neste dia, iria o aposentar, teria, pelo menos, lavado os cabelos, para ficar mais apresentável na foto que ele fez questão de tirar para ter certeza de que não iria esquecer.

Mas eu sei que quando ele olhar a foto pendurada na sala de casa, não verá o meu físico ou a oleosidade dos meus cabelos, mas a forma como eu o tratei, quando ele já estava com os pés cansados da viagem que durou mais tempo do que eu tenho de vida.

A esse senhor, que segurava a carta de concessão de sua aposentadoria com tanta felicidade, meu muito obrigada por me sacudir da rotina e por me permitir enxergar, mais uma vez e em meio ao cotidiano e quando as coisas estavam um pouco embaçadas, a grandeza que é servir.