Quando os grevistas chegarem...

- Quando os grevistas chegarem não saiam , continuem trabalhando em suas mesas .

Nós éramos funcionários administrativos da Ford de São Bernardo, um grupo pequeno com um superior imediato, e um gerente inacessível. Quando recebíamos essa estranha ordem, ficávamos nos entreolhando, e sabíamos muito bem que quando chegasse a hora teríamos que sair sem oferecer resistência, éramos todos chefes de família e a integridade física estava em primeiro lugar.

Os grevistas entravam fazendo barulho, batendo e chutando portas e vociferando alguns palavrões, mesmo sabendo da nossa condição, nos ofendiam para atingir os nossos superiores. Deixávamos tudo no lugar, e saíamos aos poucos nos juntando a grande massa que já caminhava para fora da empresa, descendo as escadarias de forma desordenada .

Um oceano de gente azul dos uniformes, gritando palavras de ordem e incitando a população de operários.

Muitos gerentes e diretores se escondiam em seus gabinetes , por medo ou ideologia , num misto de resistência infantil e lealdade com o distante patrão nos EUA. De nada adiantava, ao contrário, os furiosos líderes da greve entravam com a "Tereza "( corda engraxada), e arrastavam os engravatados mais teimosos , alguns saiam amarrados como múmias em fita crepe, totalmente ridicularizados diante dos incrédulos funcionários.

Eu era muito jovem, sabia das tantas conquistas que a classe vinha conseguindo, a um preço que se escancarava à minha frente. Falavam em democracia, mas aquilo não me parecia democrático, falavam de adesões sem mencionar a forma estúpida e até fascista de arrancar as pessoas dos prédios. Aquilo tudo me parecia surreal, uma enorme e hipócrita Babel .

Naquele tempo não existia o PT, e nem Comissão de Fábrica, isso veio depois, com os avanços da categoria. O combate a opressão da classe operária se passava com outro tipo de opressão, e isso também me confundia. Se aquilo era democracia, eu não a entendia por completo.

Precisamos nos situar no tempo e no espaço, julgar fora da época não espelha a realidade do momento, o metro não tem mais a mesma medida.

Fui entendendo que as conquistas tem um preço elevado, incluindo o da injustiça e o da estupidez, sem os torpes valores não aconteceriam. A guerra não é bonita para ninguém, todos guardam as suas verdades e lutam com outras armas, a da quase irracionalidade.

O Sindicalismo era fortíssimo, e posteriormente seguiram o exemplo do Solidariedade da Polônia , criando um Partido. Se modificavam as leis trabalhistas e dominavam as Montadoras, por que não uma nação ?

Vivi essa época de conflitos , até armados, sou um simpatizante da esquerda por haver conhecido a desigualdade, e pela ideologia do meu pai, mas nunca fomos comunistas, em momento algum, só acreditávamos em um país livre da ditadura.

Nunca gostei de Sindicatos junto com Partidos, e por isso nunca fui do PT, para mim , até hoje Lula continua sendo o velho sindicalista que discursava sobre o caminhão , o que os próprios gringos aprenderam a admirar e respeitar.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 11/12/2018
Reeditado em 12/12/2018
Código do texto: T6524664
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