Crônicas de Brandão
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  Crônicas de Brandão - Introdução 

1 - O Mico da Lanchonete
 
 
     - Ela é mulher dele! – Brandão sussurrou inquieto, a alguns passos de mim, tentando não me expor ao resto do grupo.
       
       Tínhamos acabado de sair para almoçar num restaurante popular de Columbia, após ouvirmos uma palestra sobre a cultura social dos americanos e o comportamento adequado correspondente que deveríamos assumir no convívio com o povo civilizado daquela terra.


        O grupo de estrangeiros inscritos no curso de Administração Internacional da Universidade da Carolina do Sul era razoavelmente grande, e bastante heterogêneo em todos os requisitos: idade, sexo, língua, cultura e interesses, e, principalmente, educação e respeito.

       Quase todos estavam ali, aguardando uma vaga para o almoço no restaurante lotado graças à proximidade do campus da Universidade. O grupo mal se conhecera, na primeira palestra do primeiro módulo do curso no início da temporada do verão de 1975. Muitos nem sequer haviam ainda se apresentado, como Brandão e eu.

       Simon era um dos mais jovens; vinte e poucos anos, talvez. Na fila de espera Simon vinha logo atrás de mim. À minha frente uma jovem de seus 17 ou 18 anos, que não pertencia ao grupo, assumiu um dos lugares do assento duplo da mesa que acabara de ser liberada. Atendendo à obviedade que a situação apresentava, como segundo da fila sentei-me ao lado da jovem com rostinho de criança.  Simon, o rapaz atrás de mim, estranhamente pediu que eu cedesse a ele o meu lugar. Apontei uma mesa logo à frente que também vagara.
       
       - Ali, olha, tem mais lugares!

       
       Simon insistiu. Parecia querer, a todo custo, entreter-se com a garota ao meu lado. Insisti também.


        - Desculpe, mas eu estava na sua frente; e tem outros lugares disponíveis agora!

       A intervenção de Brandão, um pouco atrás na fila, me trouxe luz e muito constrangimento. Agora entendia a insistência de Simon. Envergonhei-me, desculpei-me, levantei-me e, muito acanhado, fui ocupar outra mesa, com Brandão ao meu lado.

 
***
 
       Este incidente, nosso primeiro momento de troca, marcou o início de uma amizade que durou quarenta e três anos. Não uma amizade como a que se atribui ao convívio entre pessoas que se gostam, se respeitam e se apoiam mutuamente. Talvez um novo vocábulo devesse ser criado para representar minha relação com Brandão que, ao defini-la, dizia: “só não somos amantes porque nossas identidades sexuais não propiciam. ”
Roberto Guelfi
Enviado por Roberto Guelfi em 13/03/2019
Reeditado em 14/07/2019
Código do texto: T6597260
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