MEMORIAS DE UM DESMEMORIADO

Hoje a minha memória está boa... Muito boa. Pelo menos o suficiente para lembrar de como anda ruim. E até para recordar algumas que ela me apronta, fazendo com que minha vida seja um desfile de episódios hilários, alguns beirando a tragédia que não sei por que diabos não aconteceu ainda. Vai ver Deus de fato existe, como acreditam os religiosos, e vive me segurando quando estou pelas pontas.

Agora mesmo, estava recordando que aos dois anos do primeiro casamento fui chamar a esposa (com quem namorara quatro anos antes de casar), para pedir um favor, e empaquei com o dedo em riste. Após uns dois longos minutos, não podendo mais esconder o motivo da hesitação, disparei a pergunta: “Como é mesmo seu nome?”. Desnecessário dizer que aquilo me rendeu uns três dias de silêncio absoluto no aconchego, nem tão aconchegante nesses dias, do meu lar quase desfeito.

Se sempre fui um tanto esquecido, confesso, a coisa veio se agravando, e de uma forma que hoje me assusta. Já se tornou comum, por exemplo, sair de casa e voltar entre duas e cinco ou mais vezes, para ver se tranquei a porta. Confiro, vejo que sim (ou que não), saio e volto a esquecer se o fiz, fazendo com que a vizinhança fique boquiaberta, sem entender o que está acontecendo. Ninguém pergunta, porque sou um vizinho meio antipático, e isso leva a comunidade a temer um “chega prá lá”, muito embora ninguém da redondeza jamais tenha passado por isso, no que me diz respeito.

Imaginem que um dia desses, viajando de ônibus, levava uma bolsa ao colo, com excesso de zelo para não esquece-la sobre a poltrona, durante o curto trajeto. Justo quando ia desembarcar, peguei-a com todo o mimo, pus na poltrona ao lado e saí de mãos abanando, para depois sair gritando, correndo atrás do veículo, até que alguém viu e fez com que o motorista freasse para me aguardar.

Nos últimos dias, por duas vezes saí sob chuva, de guarda-chuva em punho, fechado, reclamando que chegaria ao destino em estado lamentável. Quando lembrei de abrir o bendito, já estava bastante molhado. Esqueço pequenos objetos em bancos de praças, balcões de casas comerciais e no trabalho. As chaves de casa, nem sei quantas vezes perdi. Se alguém um dia julgar que viu a mula sem cabeça por aí, não passe a ser supersticioso. Serei eu, que terei esquecido a cabeça em algum canto. Na verdade, é realmente possível me confundir com mula.

Imaginem que ontem, ao embarcar num ônibus para ir trabalhar (compromisso que ainda não esqueci de cumprir, ou pelo menos não lembro te-lo feito), tirei o valor da passagem da carteira, pus no bolso e dei a carteira ao cobrador. Tive que voltar do único assento vago, e perde-lo para outro passageiro, encontrando o cobrador ainda apatetado com o meu gesto, quem sabe achando que fosse uma pegadinha.

Vamos deixar de lado certas gafes comuns como jogar a bala no lixo e pôr o papel na boca; botar carta sem envelope na caixa de correio; pedir desculpas, ao telefonar, pela minha cara de preocupação, e voltar da porta do supermercado por esquecer o que preciso comprar... Às vezes comprar tudo diferente. Vou aproveitar a boa memória deste momento para resolver uns problemas que ficaram pendentes. Trata-se de... De... De que mesmo?

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 20/09/2007
Código do texto: T660783
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