Crônicas de Brandão
Publicações anteriores desta série:
   Crônicas de Brandão - Introdução
   Crônicas de Brandão  - 1) O Mico da Lanchonete
   Crônicas de Brandão  - 2) O Brado Retumbante

3 – A Gincana da torta de maçã
 
                             
       Brandão não se sobressaia apenas pela oratória.  Era alto, forte - embora não atlético - atraente, charmoso e carinhoso no tratamento com qualquer pessoa. Seu porte magnífico e sua simpatia o tornavam alvo do interesse de muitas mulheres, sobretudo as latino-americanas, pois a pele morena, os olhos castanhos, os cabelos negros e os pelos abundantes talvez fossem objeto de discriminação entre as branquelas americanas, embora secretamente se encantassem com seu perfil de “latin lover”.

       Nos eventos públicos conseguia encantar também os homens de espírito aberto que não o desdenhavam. O primeiro desses eventos, naquele início de verão foi um piquenique com toda a turma, que agora já incluía os americanos inscritos no curso. Além do tradicional churrasco americano regado a cerveja, algumas modalidades de gincana competitiva estavam programadas. A mais exótica foi a que se chamou de “competição de comer torta de maçã”, em Inglês, “apple pie eating contest”.

       Ganharia o prêmio aquele que conseguisse engolir sua torta antes dos demais. As tortas tinham o tamanho de uma pizza entre pequena e média e eram do tipo que as comédias americanas adoravam estatelar no rosto de seus protagonistas.

       Dado o sinal, ouviu-se primeiro o barulho das embalagens de papelão sendo abertas pelos competidores. Todos de babador amarrado ao pescoço, iniciou-se a competição. O espetáculo era grotesco. No clima de competitividade que se havia criado, o ridículo passava despercebido aos competidores.  O creme que cobria as tortas espalhou-se pelo rosto, pelos braços, pela roupa e pelos cabelos dos glutões, tirando dos babadores a razão de sua existência. Para quem só assistia - como eu, que não tolero açúcar - não poderia haver cena mais cômica.

       Enfim, o vencedor! Quem? Brandão! Foi cercado pela turba que não poupava elogios à sua competitividade. “Você é muito competitivo” asseverou a coordenadora do programa para quem a competitividade era a maior virtude que um jovem em preparação para uma carreira profissional poderia ter. Competitividade, o requisito fundamental do sucesso pessoal, segundo a bíblia do empreendedorismo americano. E Brandão a tinha, como todos podiam testemunhar!

       Não, Brandão não a tinha, como eu pude testemunhar nos quarenta e dois anos seguintes. Brandão sempre foi adepto da cooperação e não da competição. Conforme ele mesmo me confessou depois, o que Brandão tinha naquela manhã de gincanas, induzida pela sua privilegiada massa corporal e pelo avançado da hora, era fome, muita fome.