Crônicas de Brandão
 
Publicações anteriores desta série:
   Crônicas de Brandão - Introdução
   Crônicas de Brandão  - 1) O Mico da Lanchonete
   Crônicas de Brandão  - 2) O Brado Retumbante
   Crônicas de Brandâo  - 3) A Gincana da Torta de Maçã

 
4 – RRRai RRRobert!!
 
 
       Brandão era de Brasília; eu, de São Paulo. Brandão era solteiro; eu, casado com dois filhos. Mulher e filhos me acompanhavam na aventura de dois anos no exterior.
       
       A Universidade disponibilizava acomodações para estudantes estrangeiros e de outras localidades dos Estados Unidos. Os estudantes solteiros ocupavam, dois a dois, quartos de um hotel universitário localizado no próprio campus. Também nas dependências do campus, as famílias habitavam casas populares em condomínios.

       
       Logo que chegamos, Brandão, solteiro, alojou-se no hotel universitário. Eu, casado, instalei-me provisoriamente com minha família num sobradinho simples de um condomínio popular. No dia seguinte à palestra inicial do programa levei Brandão para almoçar em casa e conhecer minha família. Já tínhamos identificado uma afinidade natural entre nós, após uma longa conversa sobre nossas origens e interesses, no dia anterior, logo após o primeiro almoço coletivo do grupo já do conhecimento do leitor. O almoço em minha casa marcou o início do convívio familiar com Brandão, logo acolhido como um membro da família; e a longa conversa do dia anterior marcou o início do eterno “bullying” que sofri até os recentes últimos dias de vida de Brandão.


       Entre as nossas diferenças, que eram inúmeras no plano da personalidade, estava o sotaque. Paulistano, eu arrastava os erres e entoava melodias prosaicas com a graça de um itálico. Brasiliense, embora nascido em Minas, Brandão aspirava os erres e mantinha uma sutil modulação de frequência vocal em seu discurso. O longo tempo que nossa conversa durou, estendido pelo prazer da busca de afinidades e pela prolixidade de Brandão, se, por um lado, aprofundou nossa identificação com valores comuns, por outro, inscreveu indelevelmente em nossas memórias aquela diferença fonética marcante que tanto contrastava com as similaridades das ideias e valores.

       Daí o “bullying”. “Meu nome é RRRoberrrto”, foi como Brandão imitou por mais de quarenta anos a forma como me apresentei a ele naquele primeiro dia.

        E, à época, a irreverência se estendeu a outros estudantes estrangeiros, principalmente colombianos. Pablo, o mais simpático deles, se desdobrava em cortesias quando cruzava conosco no campus da Universidade. “Hi, Robert; Hi, Celso” (o primeiro nome de Brandão), arriscava enfaticamente em inglês, com um sorriso franco, e eliminando do cumprimento qualquer vestígio da fonética americana.

      O humor irreverente de Brandão nunca perdoou Pablo. “RRRai RRRoberrrt!! RRRai Celllso”, plagiava Brandão na intimidade dos bastidores da comunidade estudantil brasileira em que vivíamos, e muito além, depois de Columbia.


       Ainda agora, nas últimas vezes em que nos falamos por telefone, ele atendia: “RRRai RRRoberrrt! E eu respondia: “RRRai Celllso!”