Velho agora é jovem
 


                    Por isso mesmo convém aprender a ser                     velho, a substituir o prazer pela saudade.                                                   Humberto de Campos


     
1. A Organização Mundial da Saúde caba de dizer quem, de agora em diante, é reconhecido como jovem, de meia idade, velho e idoso de longa vida. No primeiro momento, pensei tratar-se de mais uma "Fake News". Mas a coisa é pra valer. Acredite se quiser.
     
2. De acordo com a bizarra "reclassificação" da OMS, de 0 a 17 anos, a pessoa é menor de idade; de 18 a 65 anos, (pera aí!) é jovem; de 66 a 79 anos, é de meia idade; de 80 a 99 anos, é idoso; maior de 100 anos, é idoso de longa vida. Podem dar risadas.
     
3. Com 65 anos a pessoa, agora, é considerada jovem! Pode uma coisa dessa? Vejo essa "reclassificação" de nossa idade, promovida pela OMS,  como generosa, mas preocupante. Aos 65 anos, parceiro, a pessoa está, como disse o escritor Josué Montello, "nos subúrbios da velhice". Em alguns casos, até pode ser chamada de idosa, direito a uma vaguinha no estacionamento do supermercado.
     
4. Como você, meu caro, vai suportar chamar um sessentão, uma sessentona de meu jovem, de minha jovem? Ele e ela, de repente, podem achar que tudo não passa de uma gozação; mormente quem, por isso ou aquilo, não tomou conhecimento da tal reclassificação; ou por ela não se interessa. 
     
5. Lá no meu sertão, no coração do Ceará, chame um sessentão de meu jovem e você, citadino, corre o sério risco de tomar um pontapé no trazeiro. 
     Alguém pode me contestar, dizendo que depois do rádio, da televisão e do celular, o sertão mudou. Que lá, os cavalos foram substituídos pelas bicicletas e motos e o plangente aboio, pelas canções do Roberto. Mas ainda há sertanejo que não tolera gozação. Garanto. 
     
6. Ainda não li as justificativas apresentadas pela OMS para promover a "reclassificação" de nossas idades. Posso até mudar de opinião e aceitar, sem restrições, que uma sessentona e um sessentão sejam, doranvante, tratados como jovens. Embora, aqui pra nós, continue achando que, aos 65, da juventude, pouco lhes resta. Não devo entrar em detalhes. 
     
7. Sem mudar o rumo da prosa, diria, que velhos querendo "ser jovem",  sempre existiram. Não sabendo administrar, com a cautela devida, sua perigosa opção, muitos caíram num irrecorrível ridículo.
      E nada mais intolerável do que um velho ridículo. Pitigrilli (1893-1975), extrordinário escritor italiano, nascido em Turim, assim se dirigiu à mocidade do seu tempo: "Jovem, prepare-se desde moço para ser um velho suportável". 
     
8.  Ah, mas pode ser um velho com espírito de jovem! Ouço muito isso. Tudo bem. Não sejamos, porém, ingênuos: cada idade tem suas intangíveis limitações, de certo, impostas pela ação do tempo, que não perdoa. Pouquíssimos "cabeças brancas" guardam a lucidez e  a leveza dos seus 18 aninhos...
     
9. As saudades dos velhos, é fato, diferem das saudades dos jovens, quando estes ás têm, o que é absolutamente normal. Falta ao jovem tempo de vida, para, afinal dizerem que sentem saudades. Por isso, não podem repetir esta frase do poeta Augusto Frederico Schimidt: "Saudades dos tempos que se foram".
     
10. É preciso, pois, ter cuidado com nossa velhice. Não descaracterizá-la, inventando modas. Em "Não se come frango com as mãos", o mais querido de seus livros, Pitigrilli  (esqueceram dele!) dita os cuidados que o velho deve ter para não ser tragado pelas ondas ingratas da chacota. Um de seus conselhos aos velhinhos: "Não conte anedotas".
     
11. Sim, completa o autor de "A loira dolicocéfala: "Enquanto for jovem, a memória lhe evita repeti-las à mesma pessoa". Pode acontecer com um "jovem" de 65 anos;  ou de 65 primaveras, aceitando, sem contestar, a "reclassificação" da Organização Mundial da Saúde.   

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 04/06/2019
Reeditado em 26/10/2020
Código do texto: T6664912
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