O mal do sucesso

Sempre observei o quanto o carro (e a era das estradas) destruiu a ferrovia neste país. A televisão destituiu o rádio de sua maior importância. O CD destruiu o LP e a indústria fonográfica sucumbiu diante da era virtual. A dupla sertaneja domina e consome nossos ouvidos com voz trêmula e vazia vida de sucesso. Isto também se coaduna a sensação de coisa nova que sobrepõe àquela considerada velha, puída, acabada pelo tempo. Eis a ideia de que o novo sempre será superior ao período envelhecido. Há maldade implícita nesta tirania, fealdade existencial que o mercado impõe e ressalta.

Para minha surpresa isto é ocorrência tupiniquim com base na grande mídia. Temos então a percepção de que a novidade é demolidora como “tsunami” pronto para suprimir a boa técnica em detrimento da simplicidade simplória. Demolir algo é necessário até que desapareça de cena, dando assim, entrada ao próximo vivo espetáculo.

Este atraso em considerações veiculadas se reflete também na política onde o atual dono do quadriênio insiste em exaltar a sua condição presidencial como ideologia maldosa com precedentes totalitários. Quer dizer que este fragmento de história encobre as demais numa escuridão vazia de sentido. Para minha surpresa ainda existe bonde circulando em Portugal. Durante o final da tarde ligo a rádio norte-americana (pelo celular) e escuto Glenn Miller, Dave Brubeck e outros gênios musicais. Aqui não. Jogamos no lixo radiofônico o melhor das nossas referências. Nenhum vestígio da Orquestra Tabajara, Cartola e Tom Jobim. O rádio culturalmente, em geral, não evoluiu, determina o sucesso pela vendagem, impedindo o bom gosto da hipótese de se manter presente e dominante. Desfazer orquestras, palco, apresentações ao vivo, foi o pior engano desse objeto maravilhoso chamado rádio. A alegria hedonista se estabelece sem a virtude da arte num princípio de Tesla aproveitado por Marconi.

É bobagem resumir o sucesso amplo numa linha ordinária embora lúcida. Tudo acaba por desenhar a miniatura da sociedade perdida na alienação insensível. Essa roda da fortuna cíclica combina com o massacre impiedoso da sensibilidade pela mediocridade absoluta. Sucesso então se compõe da malícia cometida contra o futuro sem referência sólida no passado. Espécie de agricultura elaborada para se tornar a grande loteria sem compromisso com a boa alimentação onde a moral responsabiliza os gordos pela fome no mundo. A rapidez como se modifica é tão grande quanto à memória de alguém com Alzheimer. Novas versões da mesmice são apresentadas como êxito, descartáveis, frágeis e profundamente decisivas. Há o desemprego da genialidade além de imenso fracasso da sociedade infantil e debilmente imitativa. O sucesso exclusivo incentiva a covardia pisoteando valores dispostos para longe dos olhos e ouvidos da grande maioria. Gera uma juventude delongada, acrítica, muda e sem graça nenhuma. É a imbecilidade imortalizada no sopro de alguns segundos. Sobre o sucesso? Restam algumas migalhas de notoriedade franca e transparente. O planeta gira da esquerda para a direita nesse café sem açúcar.