Sobre lembranças do sol e da lua.

— Alô!

— Oi. Olha... Nós vamos caminhar um pouco e gastar nossas últimas horas na praia. Quer ir conosco?

— Já são 15 horas. Já arrumou sua bagagem? Já estou pronto para ir embora se quiser.

— Está tudo pronto! Deixa o tempo passar e vamos aproveitar um pouco mais de nosso final de semana. Lembre que é Dies Solis – Domingo!

— Você e suas expressões! Tudo bem. Vamos todos juntos, porém, “solis” ...

— Ah! Ah! Ah! Você e seus trocadilhos, disse minha esposa em meio a uma gargalhada.

O riso sempre foi algo comum entre minha esposa e eu. Depois desta ligação, eu desci da sacada do prédio já que tinham decidido caminhar; caminhar um pouco com toda a família sempre é algo bem interessante e misterioso. O momento pedia isto: estávamos retornando ao ritmo frenético da vida urbana. Enquanto caminhávamos, vi um cartaz: As fases da lua – um diálogo aberto sobre a amor. Fiquei bem curioso. Afinal, dizem que há fases da Lua. Sempre li e reli curiosidades sobre este tema. Mas, pouquíssimo – ou quase nunca – ouço sobre as fases do Sol. Bem... Pelo menos eu nunca ouvi falar com destreza sobre este assunto nem em rodas de conversar, nem tão pouco em reportagens detalhadas nos meios mais comuns de divulgação de massa. Gosto de pensar sobre assuntos inusitados e coisas impensadas por pessoas que, aparentemente, são comuns ou estão dentro de um padrão natural conveniente de comportamento. Um dia, eu conto sobre as experiências que tive ao ler acerca de a morte e o nascimento das estrelas. Sou curioso, devo confessar. Por isto que me interessei sobre o que a lua teria a ver com o amor. Chegamos e logo nos acomodamos. As crianças foram brincar e, os adultos... Bem, os adultos foram adultos.

— Gosto daqui!

Estou em uma estação balnear e o clima está ameno, aconchegante nesta tarde. Dizem que as águas daqui são medicinais. Sou suspeito por afirmar ou declarar opiniões já que esta é minha residência de verão e de inverno, por vezes. Mas, se o que dizem a respeito deste balnear vitalício de ondas mornas não for verdade, pelo menos fazem bem a minha alma. Daqui de onde estou, vejo um pouco de quase tudo, inclusive o relampejar da vida e de seus ciclos. O vento sopra forte em minha pele.

— Logo vai anoitecer, pensei.

Diariamente, o reflexo dourado do final do dia sempre me arremete a um clima de competição: durante o dia, competimos com nossas próprias versões tão singulares que parecem ser regidas pelas fases da lua e do sol. Competimos com as várias performances que somos obrigados a ter para conquistar um prêmio diário, cuja validade dura vinte e quatro horas: manter-se vivo e saudável tendo ante a tantas opões de morte, principalmente as mais lentas e silenciosas que teimam em entrar pela boca e pelos ouvidos do coração. Pelo menos aqui a morte passou longe! Pelo menos eu não a vi passar porque estou de olhos fechados faz tempo. À noite, repomos nossas energias: sustento de uma vida inteira. Se bem que há quem mude as regras deste treino e passe a noite sob a regência da lua. Algumas noites demoram a passar e outras nunca passam. O vento frio da noite, por vezes, traz acolhimento, mas, condena a muitos a um sentimento frio, contido, representante pleno de um indivíduo em seu nascimento e em sua morte: a solidão. Às vezes penso que estar em duplicidade como os gêmeos pode trazer um alento, já que, de todo, estes nunca estarão sós. Mas, quem está livre deste pesadelo de solidão é o vento pois que é plural – ou que pelo menos penso que é – e, em sendo singular, há várias versões dele, assim como há várias versões de nós mesmos! Ouço o vento.

— Vu-uu-uu!

— Veee!

— Vumm!

Há muita vida aqui! Gosto do silêncio e do barulho do vento aos meus ouvidos e, em silêncio, ouço o barulho tímido das águas do mar tranquilo que teima, teima, teima em quebrar as ondas na areia. Estou aqui e o vento não cessa de passear suas pálpebras sob a minha pele. Sentado em um tronco de um pé de coco caído e já desgastado pelo tempo, sinto a areia sutilmente morna na sola de meus pés. Sentir a areia do mar é algo inigualável, especialmente quando eu caminho à beira mar e deixo que as ondas pequenas se deitem aos meus pés; beijos suaves e leves que amornam os passos frios que a vida me trouxe. Eu quem deveria me deitar aos pés do mar, já que sua grandeza e profundidade são como a saudade que sinto de minha infância. Sempre que venho aqui, revivo as fases de minha vida no limite que a minha lembrança permite. De tudo, lembro de sempre brincar com a areia do mar. Quando as ondas estavam mais fortes, corria até a beira da praia só para sentir as ondas amornarem-me os pés; ao mesmo tempo que via-me afundando da areia molhada que parecia querer me abraçar pelos pés: um misto de saudade branda e desejo intenso de voltar a ser criança. Quem nunca desejou isto tem lá suas razões pelas quais justificam-se os medos de uma vivência infantil.

— Lembrei que “Solis” também é luz do sol em latim, disse minha esposa.

— Que bom! Você realmente tem uma boa memória!

Lembrando de minhas aulas de latim na universidade, puxei pela memória agora algumas boas recordações de meus queridos tutores. Em um instante, saí daqui e voltei: a beleza do pensamento que nos faz onipresentes. Como num passe de mágica, vi desenhada a palavra “solis”. Bem curioso isto! Vi o professor apagando a lousa ainda a giz, deixando apenas esta palavra nitidamente sublinhada:

— Então, observem que, a partir desta palavra, podemos construir sentenças como “solis occasus” que significa “anoitecer”...

A voz do docente ecoava em toda a sala: marteladas contínuas que tentavam tatuar o conhecimento em minha mente. Seria mais fácil se ele nos levasse a uma praia no final do dia e nos ensinasse como dizer “anoitecer” em latim. Pelo menos lá eu teria como deixar meus pés se fixarem na areia para refrescar minhas poucas lembranças. Seria uma aula interessante.

A tempo passou e já são quase dezessete horas e “solis occasus” se aproxima. Vou ficar mais um pouco com os pés na areia e conversar com o vento, vou tentar ouvir suas vozes. Quem sabe não aprendo um pouco mais sobre a beleza da observância da flexibilidade da vida. Antes de ir, vou molhar os pés e deixar que a areia me abrace lenta e profundamente.

Carlos Maciel CJMaciel
Enviado por Carlos Maciel CJMaciel em 02/08/2019
Reeditado em 16/08/2019
Código do texto: T6710736
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