Martina Putina, tia do Putin, telefona de novo para Donald Trump

Martina Putina, tia do Vladimir Putin – surfando na crista da onda do governo da Rússia há vinte anos –, já havia telefonado em julho de 2018 para o presidente norte-americano Donald Trump. Naquela ocasião, falou com ele de forma bastante indignada. No entanto, destemida, costuma não ter papas na língua ao expressar suas opiniões com quem quer que seja quando percebe algo errado ou ações equivocadas. Ajudou com recursos econômicos substanciais a campanha presidencial de Trump em 2016.

Agora, passado um ano, sentiu necessidade de falar com ele novamente. Quando só coração, costuma chamá-lo de “meu patinho”, alusivo ao Pato Donald de Walt Disney. Normalmente, de “Trumpinho”. Ele retribui chamando-a de “tia Tininha” ou “Titia”. Ela possui a segunda maior fortuna da Rússia. A primeira pertence ao seu sobrinho Vladimir com quem mora no Kremlin.

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– Alô! É o meu patinho, meu lindo, “coisa fofa” da Titia?

– Olá, tia Tininha! Não vou poder atendê-la agora... Terminamos inúmeras reuniões do G7. Estou cansado...

– O que é isso?!? Vais desligar o telefone na minha cara? Não é assim que se trata uma dama... Acalme-se, meu Patinho! Minha voz aveludada costuma apaziguar os espíritos dos amigos no mar agitado e revolto desta vida. Ganhaste dois pontos no meu conceito que merecem elogios. Telefonei, entre outras coisas, para comunicá-los:

• Primeiro: Com a chegada de Boris Johnson, como primeiro ministro da Inglaterra, temos mais um loiro entre os governantes das nações. Sua melena parece ter saído do chuveiro, secado ao relento e abandonado o pente há meses... Já a tua, Trumpinho, tem um efeito de “topete pairante” inconfundível! Lindo demais! Quem diria, naquele tempo, que o “Gumex” chegaria a tão alto grau de evolução! Ao vê-los, vem à minha memória meu galã da juventude – o Robert Redford! Assitindo aquele filme – “O grande Gatsby” – ficávamos todas petrificadas! Ah... Eu sei que vocês dois representam a onda populista e nacionalista que tem varrido nosso mundo e balançado as estruturas da velha ordem liberal. Mas, sobre isso falaremos depois.

• Segundo: Teu comportamento no G7 melhorou mil por cento! Meus parabéns! Estavas calmo, silencioso, educado, cordial, soubeste escutar e ser conduzido pelo timoneiro do G7, o presidente da França, Emmanuel Macron. Não rompeste nenhum esquema. Muito boa estratégia essa mudança de imagem! Já são águas passadas as surpresas inconvenientes que protagonizaste no ano passado quando te irritaste com o anfitrião, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, e não assinaste o comunicado final... Um comportamento chucro! Que barbaridade!

– Tia Tininha...

– Com licença! O mais importante vem agora... Vou dizer o nome de quatro mulheres que certamente vão te refrescar a memória: Rashida Tlaib, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Alexandria Ocasio-Cortez. São críticas ferrenhas a tua pessoa e ao teu governo. Pertencem a ala esquerda do Partido Democrata e afloraram no Congresso norte-americano provenientes do movimento “Me Too”. Apoiam lutas feministas e anti-racistas, mas mantém o foco em temas sociais como a assistência universal à Saúde e devastação ecológica. Chamaste-as de “esquadrão democrata” e, recentemente, num rompante escandaloso desqualificaste-as de cima a baixo, mandando-as de volta a seus países de origem. Nota bem: três delas nasceram nos EUA; só a Ilhan Omar nasceu na Somália e, na adolescência, naturalizou-se norte-americana. Referente a esta última, disseste que ela provem de um Estado falido e orgulha-se pela existência da Al Qaeda. Que as quatro têm seus países de origem infestados de crimes com governos catastróficos. E o que dizer de duas dessas congressistas democratas muçulmanas que tentaram entrar em Israel e tu as discriminaste, telefonando antecipadamente para o Netanyahu para que as impedisse? O que é isso, Trumpinho?!?

– Trumpinho, deixa de ser safado, temperamental e racista! Ainda não sabes que o fundamento de toda Civilização e do Direito internacional é o reconhecimento incondicional dos Direitos Humanos?!? Pressionar Israel para que vete a entrada de congressistas norte-americanas é de uma insensatez inominável! Podes puxar uma briga como Poder legislativo do teu país?!? Tens força suficiente para essa empreitada?!? Claro que não. Lá, alguns já falam há algum tempo em acionar o teu impeachment... Isso se chama suicídio político ou burrice! Um showman trapalhão – esta é a imagem que passas para todos nós!

– Titia! A Sra. conhece a atuação delas contra Israel?

– Sim. Eu sei que elas apoiaram o BDS, campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções, que busca o isolamento internacional de Israel para acabar com aquela insustentável ocupação na Palestina. Mas esse não é um problema teu!

– Tia Tininha, eu vou ter que desligar... Foram reuniões estafantes. Preciso descansar... Sou uma das pessoas mais ocupadas desse planeta.

– Planeta?!? Que planeta?!? Este que estás ajudando a destruir ao não assinar os Acordos de Paris?!? É uma postura deliberada tua manter-se “ignorante” – atitude negacionista – em relação ao fato científico das mudanças climáticas de origem antrópica, quer dizer, humana, cujo fator preponderante é a emissão de CO2 em níveis absurdos pelas indústrias, rebentando com a camada de Ozônio lá na estratosfera tão necessária para nós. E o teu país é um dos mais poluidores! Planeta... Só faltava essa!

– Titia, estou pensando em convidar novamente o Vladimir Putin para participar do G7. O que a senhora acha?

– Não faça isso! O ano de 2014 foi bombástico para ele! Separou-se de sua esposa Lyudmila Putina depois de trinta e um anos de casados, anexou de forma ilegal a Criméia à Rússia em oposição a toda comunidade internacional, mantém animosidades injustificáveis com a Ucrânia e foi expulso desse G7, reconhecido clube de democracias liberais e economias fortes. Ainda que tenha ganho as eleições de 2018 para presidente mais uma vez, dali em diante sua credibilidade veio a pique. Sua reforma da Previdência gerou muita polêmica, o declínio do nível de vida causou insatisfação geral, mortes súbitas de opositores importantes com investigações demoradas e infrutíferas, os protestos em massa varreram o país e a prisão de centenas de manifestantes pacíficos completam o quadro dantesco que o mantém contra a parede. Não consegue mais afastar-se da imagem de um ditador cruel... Só eu sei o que tenho sofrido nos últimos anos ao morar aqui no Kremlin com esse rapaz!

– Tia Tininha, eu o admiro...

– Acredita que um dia ele se tornará um democrata?!? Impossível! Essa oportunidade ele já perdeu. Prisões arbitrárias... O que é isso?!? Incapacidade de escutar opiniões diferentes, de dialogar... Como foi tornar-se um monstro?!? E sempre surfando na crista da onda do governo federal... O que é outro absurdo! Fez da lei um fantoche! E todos somos reféns! E a Rússia tinha tudo para ser feliz depois da queda do comunismo em 1989... Minha esperança é que essa pressão descomunal que caiu sobre ele o torne humilde, prudente e condescendente... Antes que se abram para ele as portas do Inferno!!!

– Calma, Titia... No ano que vem, a reunião do G7 será nos EUA com toda certeza no meu resort de luxo e clube de golf em Doral no sul da Flórida, a oeste de Miami. A Sra. é minha convidada especial!

– Trumpinho, minha esperança está depositada em ti, uma vez que aquele meu sobrinho descambou pelo mesmo caminho do Stalin e do Hitler... Tu já és considerado o líder do nacionalismo populista global. No entanto, sei que teu começo foi cheio de obstáculos, pois o candidato do capitalismo liberal não eras tu, mas a Hilary Clinton. Cuidado! A direita radical precisa ser dosificada. O nacionalismo começou na Hungria, Polônia, Itália e já está se alastrando por toda a região leste da Alemanha com o partido AfD. Protecionismo, xenofobia, racismo, conservadorismo e autoritarismo mal dimensionados podem ser os componentes de uma reação química explosiva. Já vimos este filme num passado recente. Não te esquece do ensinamento ético da 2ª guerra mundial: “Quando os povos cooperam, celebram-se vitórias; quando o nacionalismo se impõe, a violência e a guerra não estão muito longe”. É necessário mudar o rumo! Até eu mudei... Já não estou tão indignada contigo como na última vez que falamos por telefone. Preocupa-me muito o lado espiritual da tua vida!

Despediram-se afetuosamente.