O estádio abandonado

O estádio está abandonado há uns dez anos. Situa-se numa escola de periferia. Pela janela, professores e alunos, podem ver a estrutura de grandes vigas. No teto algumas telhas foram arrancadas pela costumeira ventania. Foram cair no pátio da escola. Pela luz do destino se depositaram no vazio sem dano humano. Este incidente levou a área pública (por parte da diretoria da escola) a mais breve iniciativa. Retiraram de vez as poucas telhas restantes.

Todos sabem das agruras ambientais referentes ao inverno. Para crianças pobres e respectivas famílias parece natural suportar festas escolares no frio, na chuva, na neblina e no vento. Com o tempo o esqueleto olímpico da estrutura incompleta se tornou invisível as consciências inúteis. O corpo docente, submisso as determinações hierárquicas, sequer reagiram. As aulas de Educação Física ministradas ora no frio úmido, ora em outro estádio particular. Outro estádio alugado, cujas prestações ao largo dos anos, dariam para construir novos estádios. Para os meninos pobres permaneceu o mundo mau em sua continuação de maldade. Devia ser até bom marchar pelo frio até o estádio alugado.

O que teria ocorrido com o dinheiro público da construção? Silêncio permanente. Alguns professores honestos de coração elaboravam algum tímido comentário. Costumavam tocar nesta questão veladamente. Ponderavam sobre enormes quantias em dinheiro vivo oriundo de várias fontes governamentais em múltiplas ocasiões.

Nada ocorria e o silêncio acabava domando o assunto rapidamente. Restavam então vigas expostas do verdadeiro esqueleto imoral dos desvãos públicos.

Certa vez a pequena aluna (durante o intervalo) correu em minha direção para mostrar o espantoso parafuso que havia caído do céu quando passara perto da obra corroída. Tivesse caído na cabeça da pequena estudante teria lhe furtado a vida. Talvez provocado grave lesão e até fratura craniana. Levei ao conhecimento da Coordenação que se limitou a arquivar o objeto na gaveta mudando a direção do assunto. Triste conivência. Numa cidade onde os grandões possuem matadores de aluguel é preciso respeitar as indicações do medo. Compreendi. Mas até os matadores de aluguel tinham seus filhos em péssimas condições na escola.

É de praxe um novo governo abandonar as obras sociais de grande monta pelo fato dela ter sido elaborada e exercida pelo governo anterior. Grande crime nacional para com as populações de baixa renda. Inquietante é a capacidade de convivência com o esqueleto macabro da engenharia no mais completo silêncio. Esta opacidade sem alma...

As estruturas físicas das escolas estão sendo levadas ao fracasso junto com os salários miseráveis dos profissionais da área. Talvez seja o legado tecnológico de desmonte da extensão física em troca da atmosfera virtual. Estamos no auge da influência auto didática e do mecanicismo material. Os controles robóticos das mentalidades fracassadas carregam as massas (principalmente as crianças) para o hediondo patamar do messianismo futurístico.

Ouvi de professor uma curiosidade sobre o fracasso material da escola: esses políticos recebem fortunas para administrar periferias pobres, então eles elaboram uma tese de que a administração também é pobre e que o caixa esta esgotado na origem. Essa versão de falsa transparência é mais uma falsificação da realidade. É na origem que se esgota, redargui, completando o argumento... O dinheiro existe e é desviado porque a periferia não liga para madeiramento caindo aos pedaços. De modo que o dinheiro escuso acaba surgindo nos bolsos das lideranças com grande facilidade.

Parece haver nisto uma verdade indissociável.

Em ano eleitoral tudo começa a exsudar sinergia. Há pessoas trabalhando com afinco em todos os segmentos. Movidos pelo interesse de fixação de seus contratos e facilidades que estão acima e além do servidor concursado. O Cargo de Confiança é o melhor cabide de emprego que existe. Pessoas desqualificadas exercem chefia sobre profissionais técnicos de elevada comprovação quanto à capacitação. Disseminam-se parentes consanguíneos diretos em todos os corredores institucionais, prometem, insuflam novidades e aterrorizam os “servidores qualificados” com objeções, obrigações superiores ao contexto da simples legislação.

No mínimo cargos de confiança deviam receber um curso jurídico de formação em suas competências para formação legítima no que tange ao conhecimento de causa. Ocorre o oposto, quanto menos qualificado melhor servidor político é para manipulação de interesses. É o engenho escravista da máquina pública. Quem fala mal de servidor público é burro ou desconhece a própria realidade histórica nacional.

O fato é que este é um ano eleitoral e como não poderia deixar de ser o estádio está sendo terminado. Escolas não dão voto, o discurso da educação sim. Por esta razão o tempo transcorreu sem maiores preocupações. Sem responsabilizações de qualquer espécie. Cobrem-no agora devidamente sem análise ou perícia ou CPIs. Sem observação do desgaste, sem manutenção preventiva, sem critérios.

Após quase dez anos de torturante invisibilidade ocultam-no ainda mais crivado de estrutura oportunista. A ferrugem como o câncer pode ter corrompido o interior metálico das vigas. Os mais sóbrios terão medo de entrar com as crianças dentro do monstro disfarçado de segura proteção. As aparências estão maquiadas e constará como motivo de orgulho no pleito que se delineia.