Meu epitáfio

     1. É falar em epitáfio e logo me vem à lembrança a minha irmã morte. Irmã? E nem podia ser diferente: epitáfio, com origem no grego ("EPI", prefixo que designa posição superior e "TAFOS", radical que significa túmulo) é, sabemos todos, aquela frase colocada sobre a campa do desencarnado. Ôpa! virei espírita?
     
2. Nunca neguei que tenho raiva e pavor da morte, apesar de São Francisco, meu bom protetor, chamá-la de irmã. Sou, declaradamente, um tanatófobo. Ser tanatófobo é sofrer  de tanatofobia, ou seja, ter "receio mórbido da morte"; trocando em miúdos: tenho medo de morrer. 
     
3. Em tempo, pergunto: por que, então, escrever sobre epitáfios? Não teria me surgido assunto mais interessante no momento em que abri meu Notebook?      Por que não uma crônica acarinhando minha linda Salvador que aniversariou - 471 anos - no dia 29 de março? Digo e redigo, que sobre Salvador, cidade charmosa e dengosa, a gente tem sempre o que dizer; o que escrever.
     
4. Ora! Fui logo escrever sobre epitáfios. Por  que em tempos de Pandemia? Sei não. Deixem-me dizer uma coisa: este vírus assassino está enchendo o saco.      Por que não veio com a velocidade de uma estrela cadente? Já teria ido embora. Mas não, ele chega de mancinho; maltratando; matando - (alô Bolsonaro!). 
     
5. Mas, afinal, o que me levou a escrever sobre epitáfios? Olha, não é novidade: leio tudo que o jornalista e escritor Ruy Castro publica: seus livros, seus contos, reportagens, e suas maravilhosas crônicas.
     Me fez escrever sobre epitáfios sua crônica "Últimas palavras" publicada recentemente e  com o esperado destaque na "Folha de São Paulo", o jornal que há muito o acolhe. 
     
6. Ruy tece comentários em torno de um livro de memórias do belo escritor Alvaro Moreyra (1888-1964). Nele, Alvaro falou sobre os epitáfios que gostaria de ver no seu túmulo.
     E sugeriu estes e mais outros, diz Ruy: " Não tragam flores. Plantem uma roseira aqui"; "Que silêncio, hein?"; "Parei de rir. Parei de chorar. Morri?"; "Com certeza sinto saudade do mar".
     
7. Lembrou Ruy Castro, que dirigindo uma revista carioca, fez uma pesquisa "perguntando a algumas celebridades bem humoradas o que elas gostariam de ler em seus futuros túmulos". Vejam o que disseram alguns dos entrevistados.      
     Chacrinha: "Não quero choro nem vela"; Rubem Braga, o saudoso sabiá da crônica: "De volta às cinzas"; Juscelino Kubitschek: "Missão cumprida"; Chico Anísio: "E agora, vão rir de quê?"; Miéle: "Aqui jaz, absolutamente contra a vontade". E segue Ruy com outros.
     
8. Por conta própria, fiz um ligeiro passeio, com a ajuda da Internet, colhendo epitáfios de algumas pessoas conhecidas e respeitadas.
     Descobri, por exemplo, que na lápide de Isaac Newton, lê-se: "Aqui jaz o que era mortal em Isaac Newton"; no túmulo de Cazuza: "O tempo não para..."; no do poeta Álvares Azevedo, que gostei muito: "Foi poeta, sonhou e amou na vida". 
     
9. De repente me deparei com o epitáfio de Dom Casmurro, saído da caneta prodigiosa do seu criador,  Machado de Assis. 
     "Tentou ser, não conseguiu, tentou ter, não possuiu, tentou continuar, não prosseguiu; e nessa vida de expectativas frustradas tentou até amar...Pois bem, não consegui, e aqui estou".  Ah!, o Bruxo!
     
10. Certa feita, perguntaram-me qual o epitáfio que eu gostaria de ler na minha tumba. Disse, no primeiro momento, que me sentiria satisfeito se na minha lápide escrevessem, em letras bem vivas, apenas isto: "Fuuuiii!". 
     Outra opção seria copiar o epitáfio que o doutor Tancredo Neves teria escolhido para si: "Aqui jaz, muito a contragosto". Ou não escrevam nada; deixem-me continuar no meu anonimato... 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/04/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6903732
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