Fake News

Um vivente deambula por Brasília e acha tudo tão longe... Já sentiu a capital assim antes, mas agora com a pandemia campeando solta aumentou aquela sensação de cidade fantasma.

Ah! Está tudo tão parecido que perdeu o medo de vez e foi caminhar no cemitério “Campo Boa Esperança”. Afinal, qual é a diferença?

Ao chegar, percebe que ele consiste num imenso gramado com lamparinas e uma placa com o nome e o epitáfio dispostos à cabeceira. Toma-se certo cuidado para, respeitosamente, evitar caminhar em cima dos corpos enterrados.

O sujeito, de repente, tomando a devida distância, para diante de uma sepultura e lê o seguinte epitáfio:

- “Sai da minha frente!”

Demora ali pensando por que o falecido teria deixado este escrito no momento derradeiro... “conclusão de toda uma vida”... Não consegue ligar uma ponta com a outra... Qual seria o significado?

De repente, a terra começa a revolver-se e na altura do joelho aparece justamente isso: um joelho... Na altura do ombro, aparece um ombro e aquele corpo todo logo senta e se levanta, ficando ali de pé.

O vivente visitante sai correndo espavorido. O defunto, agora vivo, grita:

– Volta aqui, meu chapa! Tu pensaste que era “fake news”, notícia falsa? Volta aqui para eu te explicar o porquê do meu epitáfio!

Nessas alturas, o vivente já sumiu no horizonte. O morto-vivo continua em alta voz:

– “Sai da minha frente!”, quer dizer, não fica aí me olhando com cara de tacho como se eu fosse manequim de vitrine, vestindo a roupa que tu gostas. Esse tipo de assistência me incomoda. Entendeste?!? Todos nós aqui estamos curtindo um descanso merecido depois de uma longa e atribulada vida no deleite do sonho eterno!

– Nossa geração nunca foi adepta ou divulgadora de “fake news” – notícias falsas! Nós deixamos um mundo para vocês funcionando com ética. Ninguém usava máscara... A ciência era respeitada e os médicos, autoridades inquestionáveis sobre questões de saúde.

– Nunca abalamos os fundamentos do conhecimento com veleidades, caprichos, artifícios de linguagem, inverdades ou protagonismos incompetentes.

– Galileu Galilei e Isaac Newton podem dormir tranquilos! Para nós, a terra sempre foi e será redonda! A internet, uma enciclopédia Barsa melhorada... Liberdade de expressão nunca foi “falar o que eu quiser, ofender quem eu quiser, mentir como eu quiser, falar idiotices ou coisas absurdas”. Nossa vida foi o tempo da verdade. Foi isso o que deixamos para vocês!

– Vocês criaram o termo “pós-verdade”, apresentando os fatos objetivos descafeinados e dando mais ênfase às emoções, crenças e opiniões pessoais. Muito pouco ou nada fundamentadas. Muitas vezes, frutos de uma ignorância intolerável.

– Essa confusão toda – nós estudamos filosofia – começou com o filósofo Friedrich Nietzsche no final do século XIX ao afirmar que não existem fatos, mas somente interpretações.

– Mas não te preocupa, meu irmão! Eu sei que tu não estás mais me escutando.... Mesmo assim, eu não vou te deixar fugir do que eu disse após teres me molestado e despertado do meu “sono reparador”. Vou acordar dois ou três de meus amigos aqui e apareceremos no teu quarto esta noite. Porque para nós não existe “parede nem porta fechada”. Nem precisamos de “material algum” para causar uma explosão capaz de te acordar e fazer pular da cama. E, nem “lâmpada elétrica” para, com uma luz intensa, ofuscar o fundo de tuas retinas. Nos aguarde! E ouvirás o que é um discurso verdadeiro!