FICHA PENDENTE

O Alfa e o Ômega não estão em poder da pessoa amada, como nossos arroubos passionais determinam que sim. Especialmente os meus arroubos passionais. A vida não brota nem exaure nesses olhos nos quais nos perdemos de amor, mergulhando sem critério. Darmos tudo a quem nada quer de nós é nos deixarmos escoar como água imunda no esgoto da existência. Seria o caso de concluirmos que somos uma...

Estou tentando me convencer que sobrevivo sem seus afagos, os cuidados, a presença. Que o chão será sempre firme com você aqui ou acolá. Que o trabalho me aguarda, os dias vêm e vão e ninguém é tudo pra mim. Nem mesmo você, com seu tom onipresente, onisciente, onipotente. Quero concluir que a sua ausência seria um flanco perfeitamente obturável; mera lacuna facilmente preenchível com o “x” de qualquer questão.

Com todo este meu exercício de auto-afirmação, não consigo dar musculatura ao ego. A auto-estima continua franzina e pálida. Seus atributos me governam feito Nero, ateando fogo em meu mundo, alimentando seus caprichos e louvando a imagem que vêem no espelho. Seu coração é só seu (e o meu também), num desperdício de sentimentos que mofam na lixeira de sua indiferença irredutível, sua geleira inquebrável.

Nenhuma das pontas do arco-íris está em você, no mito sentimental que às vezes deixo me abarcar. Viveria sem o tesouro imaginável que me alimenta de horizonte, no mar de suas promessas de amor jamais feitas, mas imaginadas por mim. Morro só, tentando não saber que já vivo essa realidade, faltando apenas cair a tal “ficha”.

Rio, janeiro de 1990.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 17/10/2007
Código do texto: T698075
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