209 - O CAVALEIRO ANDANTE E A FEITICEIRA SOLIDÃO...

209 - CAVALEIRO ANDANTE x FEITICEIRA SOLIDÃO...

 
 
Às vezes ele tinha dúvidas reais sobre qual trajeto deveria seguir para cavalgar até o reino próximo.

As dúvidas começavam logo pela manhã e esquentavam sua cabeça, mesmo antes dele colocar sua armadura. Sua cabeça rodava fazendo dançar seus neurônios no ritmo cadenciado como os corpos dos desinfelizes, que caíram em desgraça junto ao Rei, e agora pendiam a balouçar nas cordas das árvores dos enforcados como tantas vezes ele vira nas suas andanças. (Parecia ser este um destino neste rincão).

Ele tinha sempre a impressão que a sua cabeça iria explodir, como as dos seus oponentes quando ele desferia pancada utilizando a maça que era outra arma preferida. Sentia a cabeça ainda mais pesada com o capacete de fibra ou ferro, proteção que carregava a cobrir seus cabelos revoltos na hora das batalhas.
Decidir por qual caminho seguir era todos os dias, um tormento. Não sabia se começaria sua jornada subindo a Alameda que levava o nome do “Bispo Dom Cauteloso” ou poderia ir também ir pela Rua do Guarda-Mór, adentrando pela ruela que levava o nome do Mártir da Inconfidência.

Dependendo da fase da lua poderia escolher até mesmo descer pela “Rua dos Laboriosos” ou pela Rua do Santo Essejota, que neste caso não era carpinteiro pai do Salvador e sim um negro alfaiate pai de extensa prole. Examinava seus oráculos e seguia adelante, como diziam seus antepassados.

Decidindo-se pela rua mais importante, cruzava rapidamente pelo Largo do Batistinha. Discreto olhar no comércio dos “Irmãos Rosa” sabia que não podia parar, pois, os irmãos comerciantes, com boa lábia seriam capazes de lhe vender qualquer coisa que jamais precisara.
Embora seus súditos, disso soubessem, que não haveriam oferecer ao Rei nada se não houvesse real necessidade.
Da “Taberna do Necato” manteria distância. Sabia que ali alguns desocupados se entretinham no jogo e o “Capelão do Reino” aconselhava passar ao largo. Olhar embevecido sobre o casarão da nobre família, hoje transformado em rica hospedaria o fazia perder em doces sonhos.

Seguia caminho ao lado esquerdo do paredão e da parte alta cumprimentava o Chico da família dos Salles, seguindo sem se deter no seu peregrinar ligeiro. Cavalheiro, como sempre, fazia um aceno aos três irmãos da Mobiliadora sentindo-se como estivesse montado no seu belo cavalo com a bandeira presa ao mastro que apoiado nos estribos tremulava ao sol o brasão dourado dos seus sonhos.

Quando ia pela estreita Rua Tiradentes cumprimentava os Coronéis, do maior empório da cidade. Acenava aos irmãos farmacêuticos, e aos professores de língua inglesa, ligeira reverência tocando com as pontas dos dedos a viseira da sua máscara imaginária. Às irmandades de próspero comércio de secos e molhados, que disputavam pela excelência do atendimento, a cada vez maior freguesia de operários da mineradora local, com ligeira inclinação de cabeça como cumprimentavam aos seus iguais.

Seguia a passos largos ou ligeiro tropel até á igreja “Nossa Senhora das Contas Milagrosas”, dali, olhando para o alto da montanha já vislumbrava longa jornada que teria de enfrentar.
Persignava-se e como um santo e bom guerreiro que não foge à luta, agora, era abaixar a viseira, colocar a lança em riste e atacar o dragão lá no seu território.

Não havia rota predeterminada e na sua cabeça, assim fazia, para evitar alguma cilada pelos seus oponentes. De qualquer forma teria que buscar seu destino de inspecionar, por ordem do senhor os domínios e verificar por seu olhar como os súditos cumpririam as ordens D’El Rei.

Ao termino da jornada diária voltaria para seu castelo, sonhava encontrar no salão principal seus súditos fieis enfileirados, como se estivessem em uma cerimônia de revista de tropas que pelejaram longa jornada diária nos bosques a caça dos cervos que mataria a fome do guerreiro e dos seus. Depois de um banho preparado pelas amas e mucamas que o viram nascer e crescer na sua odisséia. Por hoje bastaria.

A noite tenebrosa vencia o sol que aquecera esta terra em constante transição já partira para repousar por trás das colinas, até que a linda manhã convocasse o astro rei para novamente ornar com dourados raios as muitas batalhas do Cavaleiro, que vencidas nos seus sonhos, muitas delas perdidas na dura realidade.
Via com muita angústia derradeira fase da vida distante de todos os parentes que ainda lhe restassem e deles sequer tinha notícias. A Feiticeira Solidão que o acompanhara, como uma maldição do “Feiticeiro Freston”, desde o momento, em que ele abandonara aos intrépidos companheiros de jornada, após três décadas e meia a serviço de El Rei enfim, o fizera vítima.

Na antiga “Hospedaria” dos nobres súditos “Daquela” que substituíra na exploração das riquezas minerais da sua terra, agora transformada em “Casa de Repouso” dos velhos guerreiros e combatentes ele se recupera das feridas do corpo e da alma, com o coração dilacerado, pois, enquanto combatia os monstros sagrados da opulência e opressão perdia o amor de Dulcinéia. Mas, pelo menos ele sabia agora não ser o único súdito nesta luta contra a tirana “Feiticeira Solidão”. Enfim, agora ele compreendia o ocaso da vida como o pôr-do-sol que paira sobre seus ombros.
Itabira, 08/11/2010
CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 19/07/2020
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