Os frutos, os filhos e o riso, brilhos novos, esperança, criança, dança e poesia

Sou deste lugar insano, que nos fixa no asfalto e nos planta como árvores de aço, de pétalas de concreto, e nos demole e reconstrói toda manhã. Suga e consome, nos coloca nos trens, ônibus lotados, trânsito frenético, parado.

Sou daqui não nego, respiro o ácido lisérgico desse lugar, que nos faz poetas céticos, politizados, revoltados, avoados e solitários no meio do povo. Sou da Sampa das misturas, das loucuras e chacinas, de tantas perdas, lucros, insanos danos e de tantas primaveras de ipês amarelos em algumas vias.

Corro tanto e tento fazer a minha parte. Colocar um tijolo, plantar uma flor, um tempero no vaso. Tanto por fazer, tantos risos pra dar,

mas quem nos acalenta a tanto? Quem vai querer um bom dia, mesmo que faça frio e garoe frio no verão? Ou quando o calor nos torra em pleno inverno. Não sei, acho que sou eu quem ando misturando as estações.

Fico sem noção, vejo tanta gente pelas calçadas, caídas, feridas aberta, tantos barracos levados na enchente, gente remando, lutando sem armas contra os dragões da maldade, incêndio na favela, crime na viela. Não sei nem metade da dor, da falta de alimento que sustenta o latente, o quieto daquele desespero que as vezes explode.

Confesso: Sou daqui e sustento, gosto. Não sei se fui adestrado assim, obrigado ao amor. Essa é a minha cidade feia/ bela, se é vício, virtude ou precisão, sei não. De algum jeito, de alguma forma, noves fora, zero, todo mundo fica, finca raízes. Ela nos obriga raízes, frutos, filhos, ao riso - que sempre brilha o novo: esperança, criança, dança, música, canto, poesia na cidade concreta.