Com o passar dos dias de confinamento, algumas coisas começaram a se tornar difíceis. Assistir aos noticiários da TV, era uma delas. Muito mais do que o excesso de informações - tantas vezes desencontradas - uma das coisas que mais me afligia era a pouca atenção dada por parte da população, em relação aos cuidados preventivos. Principalmente, aquela orientação de se permanecer em casa. A insistência das pessoas em sair por qualquer motivo era impressionante. Em todos os lugares, em todas as camadas sociais e em todos os níveis culturais. A exaltação do aclamado direito de "ir e vir" era a senha para tentar se justificar o injustificável. Perdi a conta das vezes que – ao ver as pessoas pela rua na tv – eu gritava indignado:
— Fica em casa, porra!
     Outra situação que para mim beirava o insuportável, era a leitura de mensagens em grupos de redes sociais ou de aplicativos. A oportunidade de trocar informações de utilidade pública foi substituída pela insana discussão politica por parte de quem defendia governos ou opositores das diversas esferas governamentais. As discussões intermináveis nestas pairagens virtuais me convidaram a sair de todos os grupos. Afinal, eu precisava preservar alguma sanidade.
     Talvez, uma das coisas mais impressionantes nestes grupos online, era como uma grande parte de seus integrantes - de uma hora para outra - passaram a se posicionar como profundos conhecedores de infectologia. Aquilo que ainda era um labirinto escuro para médicos e cientistas tornou-se assunto farto e discurso de frases repetidas, lidas não sei onde.
     Enquanto me alternava na execução dos muitos afazeres caseiros e as prazerosas maratonas de séries de tv, comecei a lembrar dos muitos poemas, contos, crônicas e letras que eu havia deixado pelo caminho ao longo de anos. Alguns inacabados e outros carentes de revisão. Prometi a mim mesmo, que iria tratar de cada um deles. Tempo, não me faltaria.
     A oportunidade de cuidar dos meus escritos, era a maneira que eu havia encontrado de me proteger do desânimo que já me espreitava. Percebi que tinha muito trabalho pela frente. Nos últimos anos eu havia trocado a minha constância de escrever por alguns negócios na área de gastronomia. Era bom estar de volta. Havia até uma vontade de me aventurar – pela primeira vez – na criação de algo com uma narrativa longa. Um primeiro romance, quem sabe? Logo eu, tão acostumado aos textos curtos da poesia e da redação publicitária. Definitivamente, era um projeto desafiador. E mais que isso. Era a garantia de que o equilíbrio emocional estaria sob controle.