Domingo

Estender o domingo até segunda-feira, terça, quarta, quinta, sexta e sábado, talvez, seria hoje o único propósito. O dia de domingo serve ao espírito e ao corpo, algo raro nos dias de labuta ou no ansioso sábado sempre a desejar algum programa, alguma quebra de rotina, enquanto o domingo não! Domingo sempre é mais ou menos a mesma coisa amena em que todos se acham em casa, se considerarmos o corpo morada da alma, essa coisa abstrata, sem a qual perdemos a humanidade. Sim, sem dúvida, o domingo é o mais necessários dos dias, sem ele não há respiração, sem ele todas as angústias seriam ininterruptas e a roda viva nos devoraria como se fosse moenda retirando todo o nosso sumo, que, assim, nunca seria doce, mas seria sempre incapaz de se expressar.

Nos dias de domingo não cabem as maiores possibilidades de errar. Errar nem sempre é humano.

O único defeito do domingo é o de ser véspera de segunda-feira, o dia do renascimento da angústia, no qual sempre mergulhamos de cabeça a fim de atravessar também a segunda, terça, quarta, quinta e a sexta-feira.

Não podemos dizer que seja um defeito do domingo ser o dia seguinte ao sábado. O sábado não possui a perenidade do domingo. Sem o domingo o sábado viveria encolhido, saindo rapidinho de casa para voltar logo, com medo de chegar atrasado no dia seguinte. E se é verdade que o sábado tem a ousadia de avançar até à madrugada de domingo, isso não acontece porque isso é sábado. Isso acontece porque o sábado é a véspera do domingo.

Chegar até domingo é quase uma ressureição.

As idiossincrasias de cada ser dão uma trégua pedindo para ser esquecidas ao menos por um dia: o domingo. Isso porque os dias de segunda à sexta-feira apenas disciplinam o corpo para se ajustarem aos moldes laborais da luta pela vida. Sábado é apenas rebeldia nascida na sexta-feira e agigantada no sábado. O que faz o sábado ser o menos econômico de todos os dias.

É fato que o envelhecimento faz o sábado ter cheiro de domingo, mas isso só nos traz a conclusão de que o domingo sempre esteve à espera do homem e da mulher de todas as idades, cada vez mais presente, enquanto os outros dias nunca esperam, sempre demandam algo, egoisticamente, como se fossem donos do tempo da vida dos homens.

São raros os arrependimentos nascidos nos dias de domingo. O domingo foi feito para não existir a culpa, embora às vezes sirva também à autocomiseração. Não por em si, por ser domingo, mas porque permite ao homem olhar para si mesmo com alguma compaixão.

Domingo é, assim, o mais essencial dos dias. Impede que o homem reaja imediatamente às tentações cotidianas. Permite ao homem dizer que vai resolver isso ou aquilo na segunda-feira. E, exatamente, por tudo que foi dito até aqui, amemos o domingo.

Amemos, ao menos, as possibilidades do dia de domingo. Sua ausência de pressa. Sua doçura maternal. Seu coração compassado. Seu acordar mais tarde. Transbordemos esse amor que pode vir, nos dias de domingo, de cada um de nós. Essa esperança de podermos ser melhores do que somos de segunda-feira a sábado.

E não esqueçamos nunca disso: hoje é domingo.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 16/05/2021
Reeditado em 23/03/2022
Código do texto: T7256821
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