Autonomia médica e charlatanismo

Ontem recebi em casa o professor Anderson, amigo de bom tempo, desde quando era vendedor de livros na livraria Saraiva, onde trabalhava para estudar. Hoje, Anderson é professor de história e filosofia para o ensino secundário. Conversamos sobre a questão da autonomia médica e citei dois exemplos de casos nas quais vi a autonomia médica ter funcionado direito.

O primeiro é o do caso de um sangramento que foi estancado com PVC, material utilizado em exames, cirurgias e recuperação de pacientes, tais como bolsas de sangue, tubos endotraqueais, bolsas de soro, cateteres cardiovasculares, tubos que saem do coração do paciente e levam o sangue até a máquina de circulação extra-corpórea, sondas e equipamentos de alimentação enteral, cânulas de perfusão e ponteiras para micropipetadores e equipos para soro, quando o PVC foi usado para ligar artéria rompida causadora de hemorragia. Procedimento nunca utilizado antes, e que, num momento de risco muito grande para o paciente, trouxe uma inovação para a medicina, porque se não houvesse sido tentado nada o paciente morreria.

O outro foi num caso de uma criança que, como pediatra, eu atendi no pronto socorro infantil do Hospital Universitário Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia, onde trabalhei nos anos noventa. Quando diagnosticadas a asma e a insuficiência cardíaca na criança, após o uso de corticoides em doses usuais e uso de cardiotônicos (digital) e nebulizações não havia melhora e a criança poderia morrer, mandei triplicar a dose do corticoide a fim de desinflamar ao máximo as vias aéreas, sobre as quais o corticoide tem potente ação, como se vê hoje na utilização do corticoide na COVID-19.

Tripliquei a dose do corticoide porque no pronto socorro infantil não tinha ventilador mecânico e porque quando fiz meus estágios em pronto socorro de adultos nos anos setenta e oitenta, em hospitais em que não tinham UTI, vi médicos prescreverem elevadas doses de corticoides em adultos com bons resultados, tendo, assim, utilizado a experiência médica para salvar uma vida, ao aplicar conduta semelhante a uma criança.

A autonomia médica é a liberdade do médico para tomar as decisões como citei acima, a partir de uma necessidade imediata do paciente, quando tudo o que está nos compêndios como terapêuticas consagradas não são suficientes para salvar vidas.

Charlatanismo ocorre quando um médico ou um grupo de médicos defendem tratamentos ineficazes, como ocorre no uso da cloroquina, que se foi usada por alguns médicos em boa-fé no início da pandemia, hoje a defesa do uso de cloroquina representa má-fé e charlatanismo, sem sombra de dúvida.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 31/05/2021
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