O poeta da saudade

     1. Quem nasceu ou viveu no sertão nordestino, conheceu ou ouviu um pássaro que devia se chamar saudade. É a juriti, de canto terno e triste. 
     Nos meus tempos de menino, no quintal de minha casa, pernoitava uma juriti, que cantava sempre ao cair da tarde. Seu canto parecia um suspiro de despedida. Ela sumia quando amanhecia. 
     
2. Ouvindo-a cantando, abrigada no frondoso cajueiro que perfumava meu quintal, quantas e quantas vezes desejei ser poeta para traduzir em versos seu gorjeio rouco. Como fez o poeta Casimiro de Abreu, no seu delicado poema "Juriti".  Casimiro José Marques de Abreu é o poeta da minha crônica de hoje.
     
3. Versejou Casimiro:
             "Na minha tarra, no bulir do mato,
              a juriti suspira;
              E como o arrulo dos gentis amores,
               São os meus cantos de secreta dores
              No chorar da lira". 
          E mais adiante: 
              "A juriti suspira sobre as folhas secas
               Seu canto de saudade;
               Hino de angústia, férvido lamento;
               Um poema de amor e sentimento,
               Um grito d'orfandade!"
     
4.  Muito cedo, diria nos primeiros anos de colégio, encontrei-me com os versos de Casimiro de Abreu. Cheio de saudade ele cantava sua família, principalmente sua mãe, dona Luísa Joaquina das Neves, fazendeira que viveu maritalmente com o português José Joaquim Marques de Abreu. Os dois nos deram o poeta de "Meus oito anos".
     
5. Foi este o primeiro poema que decorei e declamando-o à farta, eu criança, fazia um arrasador "sucesso".  Aonde chegava, chegava com "Meus oito anos". Solicitado, dizia de cor o poema do autor de "Primaveras". Já estava me tornando um chato. Eu sentia isso. Mas se eu gostava?
     
6. A simplicidade da poesia de Casimiro me encantava. Num debate sobre poetas, eu sempre entrava com Casimiro.
     Ouvia sussurros que diziam: por que não Bilac, Castro Alves, Gonçalves Dias? Dava minhas explicações, mas não conseguia convencer ninguém. A pergunta era a mesma: por que só Casimiro?
     
7. Certa feita, aproveitando a Quaresma,  arrisquei declamar um poema no qual Casimiro mostrava sua religiosidade: "Deus", que a seguir transcrevo:
      "Eu me lembro! Eu me lembro! - era pequeno/ E brincava na praia; o mar bramia/ E erguendo o dorso altivo, sacudia/ A branca escuma para o céu sereno. == E eu disse à minha mãe nesse momento:/ "que dura orquestra! Que furor insano!/ Que pode haver maior que o oceano./ Ou que seja mais forte que o vento?!".  ==  Minha mãe a sorrir olhou pros céus/ E respondeu : - "Um Ser que nós não vemos/ É maior do que o mar que nós tememos,/ Mais forte que o tufão! meu filho, é - Deus!"
     
8. Qui nada! Um participante pediu a palavra e recitou Castro Alves com o entusiasmo que se diz, tinha o poeta baiano ao declamar seus primorosos versos.  E logo um dos poemas que mais gosto: "O laço de fitas", cujo primeiro verso, diz o seguinte:
   "Não sabes, criança?'Stou louco de amores...  
    Prendi meus afetos, formosa Pepita.
     Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
     Não rias, prendi-me
     Num laço de fitas."
     É longo este poema. Vale ser lido, mas com olhos de apaixonado...
     
9. Como Bilac (1865-1918), que cantou seu grande amor, Amélia de Oliveira, em belos versos, mas não casou, também Casimiro morreu solteiro, deixando saudosa sua eterna namorada, Joaquina Alvarenga da Silva Peixoto.
     O Poeta da Saudade morreu no dia 18 de outubro de 1860, com apenas 21 anos. Morreu cedo! Morreu novo.        
               
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/06/2021
Reeditado em 02/06/2021
Código do texto: T7269875
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