Uma caneta respeitada 

                    Nostalgia é saudade do que vi,                     melancolia é saudade do que não vi.                                 Carlos Heitor Cony

     
1. Escritor e jornalista culto e de uma caneta destemida e respeitada, assim foi Carlos Heitor Cony.
     Morreu (2018) no momento em que o Brasil mais precisava de sua comprovada coragem e de um exemplar homem de imprensa.
     Sempre combatendo o bom combate, Cony jamais teve sua produção literária atingida mortalmente pela crítica. Censurada, sim, pela ditadura militar de 1964, que o abominava.
     
2. O Brasil dos nossos dias, quando parece triunfar a estupidez e reinar a intolerância, estaria melhor com o jornalismo criterioso, independente e  combativo de Carlos Heitor Cony. 
     Nunca esquecidas são suas crônicas, intituladas "O Ato e o Fato", publicadas no glorioso "Correio da Manhã" do Rio de Janeiro.      Apontavam  e combatiam, com o maior vigor, as trapaças e injustas perseguições que ocorriam nos socavões da ditadura. 
     
3. Dessa sua disposição de dizer, por escrito, nos jornais e revistas, do que se ocupavam os ditadores, só tinha uma maneira de fazê-lo calar: recolhê-lo ao xadrez.
     E não foram poucas as vezes que Cony foi preso. Era solto com o deferimento de Habeas Corpus requerido por brilhantes juristas  a serviço da boa causa.
     
4. Lendo as crônicas de Cony, aproximei-me da sua obra.  Escritor duas vezes imortal. Explico: quando entrou na Academia Brasileira de Letras, em março de 2000 e (definitivamente) depois de sua morte, no dia 5 de janeiro de 2018, aos 91 anos de idade.
     
5. Em dois momentos identifiquei-me com Carlos Heitor Cony - que pretencioso!: politicamente, quando ao seu lado combati o regime militar de 1964. Adorava vê-lo sentar o cacete nos golpistas, enfrentando as baionetas e os urutus. Nesses tempos tenebrosos eu trabalhava, como redator, num jornal e em uma rádio de Salvador. 
     
6. Cony se dizia totalmente sem religião, apesar de ter chegado ao clericato, num seminário católico. Fazia suas críticas à Igreja que o acolhera durante anos, mas nunca usando termos chãs ou desrespeitosos. No fundo, no fundo, descobria-se suas saudades do velho seminário.
     
7. Fui seminarista franciscano. Posso dizer que foi o segundo momento em que me identifiquei com o cronista. Como Cony, frequentei os claustros e, como ele, um dia resolvi deixar a batina. Tal qual Cony, me vi numa posição de contestador, incompativel com quem pertence aos seminários.
     
8. De forma comovente, Carlos Heitor Cony contou, em livro, sua saída do seminário maior.      Seu sofrimento, suas hesitações, suas indagações, momentos de indecisões, seus dramas,tudo isso o clérigo Cony narra no seu "Informação ao Crucificado".
     Está no final do seu livro a informação que  daria ao Cristo na Cruz: "E eis que vos dou a informação: Deus acabou". Na saída, também confiei alguns segredos ao Cristo, mas não cheguei a tanto...
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/07/2021
Reeditado em 26/07/2021
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