As trincheiras do Eu face ao fanatismo

O ego e os mecanismos de defesa é o título de um dos livros de Anna Freud, e é natural que a defesa seja necessária para o Eu, ou Ego, como preferirem. Precisamos nos defender de quem seja hostil, precisamos manter de joelhos as nossas ruindades (defesa do que vem de dentro), é necessário haver a sociabilidade, seja por meio das qualificações mundanas exigidas aos cidadãos (desde ir à praia ou ao mercado, incorporar tecnologias oferecidas, namorar, paquerar, divertimento, compromissos). Necessário, porém, nos questionarmos acerca das trincheiras do EU. O ser humano não é apenas luta e fuga, sua capacidade de simbolização gera pensamentos, relacionamentos e criatividades.

A prudência é a aplicação dos princípios aos fatos, e os princípios emergem da herança sociocultural e familiar, do direito consuetudinário e das experiências transmitidas e da religiosidade. Mas a psique de cada indivíduo é como uma impressão digital, não se repete em outros indivíduos.

Entretanto, antes de falarmos de fanatismo como fenômeno da atualidade, que tem origens socioculturais, religiosas e políticas, sugerimos pensar sobre O ego e os mecanismos de defesa. Não no viés de Anna Freud, que acreditava num sistema consuetudinário capaz de amortecer as dores e as angústias dos indivíduos, sem considerar as diferenças de todos os tipos entre as pessoas e as populações de diversos países.

Colocamos ênfase em três mecanismos psíquicos; são eles: as distorções paratáxicas, as formações reativas e as compulsões.

Nas distorções paratáxicas o sujeito põe foco apenas num viés de interpretação dos fatos, que podem ser advindos de princípios morais ou religiosos ou idiossincrasias, aplicados sem pragmatismo em relação à realidade.

Nas formações reativas o sujeito age ou repete um comportamento equivocado até conseguir elaborar o erro, e isso tem a ver com a o escrito de Freud: Repetir, recordar e elaborar, porque os mecanismos de defesa recalcam traumas, dores, inferioridades e complexos de superioridades reacionais, até que os indivíduos se questionem e parem de atuar o erro ( acting out).

Parar de atuar o erro significa abolir do Ego a formação reativa, a compulsão à repetição, reduzir a formação reativa a atos falhos, que não mais incomodem o ego nem os outros por causa de traumas pregressos ou outras razões viciosas ou por rigidez de caráter.

Em razão do momento histórico não podemos deixar de mencionar o fanatismo. O escritor judeu-israelense Amoz Oz tem um livro excelente sobre o tema, exatamente sob o título Fanatismo. Iremos ao fulcro do livro. Faz-se, entretanto, necessário, antes, tecer considerações sobre a diferença entre ambiguidade e a ambivalência.

Com exceção da infância, faixa etária na qual a ambiguidade é até certo ponto natural por causa da pouca experiência do pensamento, a ambiguidade é algo criticável.

Em seu livro Fanatismo, Amoz Os fala-nos sobre a ambivalência e à ambivalência tece um elogio. Para Oz a ambivalência é quesito da maturidade, da capacidade ou da habilidade do pensamento de se colocar no lugar do outro, transpondo as trincheiras do Eu, abrigando o Outro no Eu para imaginar o que o outro se sentiria no lugar dele e não no nosso, e não com as formações reativas, distorções paratáxicas (Por que não dizer crenças, valores políticos radicais), compulsões abrigadas no íntimo do íntimo. Afinal, diz-se: O bom negócio é o que satisfaz ambas as partes. Acrescentamos: mesmo as discordantes. Embora no mundo essa seja uma premissa falsa muitas vezes, infelizmente.

Sem ambivalência nada termina muito bem. O momento histórico é de poucas trocas simbólicas, dialética pobre, dogmatismos políticos eventualmente desprezíveis, mesmo porque Dogma é necessário apenas às religiões, ainda assim se aplicado com humanidade para não haver reincidência de Idade Média, Inquisição, Tribunais Militares de exceção, desrespeito aos direitos humanos.

O Brasil polarizado agudiza as formações reativas das pessoas, as distorções paratáxicas, as compulsões insensatas e os julgamentos injustos só porque um sujeito (qualquer?) discordou, fez uma crítica mais acerba ao que dizemos mesmo que mereçamos, numa demonstração de susceptibilidades infantis, reações hostis desmesuradas, não aceitação de diálogo como se a qualquer “deslize” do outro se tornasse imerecida qualquer compaixão ou arrazoamento sobre um argumento, um dito, um riso, uma gargalhada, uma descontração.

Numa demonstração de ambiguidade infantil e narcisista, seja por causa da identificação com um mito de pau-oco ou um populista contumaz, porque, afinal, precisamos da segurança concedida, como se não bastasse para isso Deus em quem não seja ateu ou agnóstico ou o arrazoamento nas duas últimas categorias citadas.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 01/02/2022
Código do texto: T7442507
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