Três pecados cabeludos 

 

          1. Se estou errado, que me perdoem. Entendo, porém, que o cronista também pode comentar, e, se for o caso, até criticar o que outros cronistas escrevem e publicam, desde que respeite os limites que a ética impõe. Certa ocasião fui seriamente criticado porque escrevera minha página pegando carona na crônica de um colega. Depois de constatar que não houvera plágio, o colega parabenizou-me por lhe ter seguido as pegadas e sem roubar a originalidade do seu texto.

          2. Já tive crônicas plagiadas. O negócio chegou a tal ponto que fui obrigado a interpelar o plagiador, ameaçando levá-lo a uma das Varas do Forum local. O sujeito pediu-me mil desculpas e não publicou mais nada. Prova de que buscava nas minhas crônicas a seiva necessária para alimentar seus escritos e publicá-los, sem nenhum pudor, nas gazetas da cidade.

          3. A verdade é que há cronistas que trazem, nas suas crônicas, informações valiosíssimas. Assim foi no passado, com o inigualável Machado de Assis, e continua no presente, com - escolhendo entre os melhores - o jornalista Ruy Castro.

          Dizendo isso, justifico, de certa maneira, o que passo a escrever sobre Ruy Barbosa, agarrando-me em uma crônica publicada pelo Professor Luiz Roberto de Barros Mott, titular da cadeira de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, sobre o Águia de Haia.

          4. Em uma crônica publicada no jornal baiano "A Tarde", o professor Mott afirma que Ruy Barbosa cometera "três pecados cabeludos", não dizendo, porém, se venial ou mortal. O leitor que avalie. Estranhei. Ruy, o ídolo, pecando?           Eu, que ao longo da vida lera tanto sobre Ruy, nunca soubera da existência desses três pecados. Mas o mestre Mott os descobriu e não pensou duas vezes para divulgá-los. Muito interessante. Não asseguro que tenha passado despercebido por outros mestres conhecedores da vida do ilustre jurista baiano. Não, não posso garantir.         

          5. Vamos, então, aos "três pecados cabeludos": a) Ruy mandou queimar milhões de documentos sobre a escravidão (1891); b) Ruy se opôs  à Lei do divórcio; c) Ruy- pasmem!- condenou a vacinação contra a febre amarela, em 1904. São pecados mortais? Não sei. Talvez sejam levando-se em conta a importância do "pecador". Segundo o Mestre Mott, também serviu para mostrar que o ídolo "tinha pés de barro".  Absolveria o Dr. Ruy dos três pecados? Confirmadas, em última Instância, as três acusações, não absolveria.

          6. Sobre as vacinas, umas palavrinhas a mais, sabendo-se que elas, no Brasil dos anos 2022, em plena pandemia, continuam, injustificadamente, sendo pomos de discórdias. Vira e mexe e lá estão as vacinas nas manchetes dos jornais. 

          7. Diria que a posição de Ruy, contrária a elas, no tempo da febre amarela, serviu para evidenciar que, de repente, não apenas os "jegues batizados" recusam-nas; e exatamente quando o povo delas mais precisa, graças à sua comprovada eficácia. 

           Mas Ruy, inteligente, tempos depois,teve a humildade de reconhecer os efeitos benefícos da vacina contra a febre amarela. Desse pecado, creio, ele seria perdoado.

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/07/2022
Reeditado em 05/12/2022
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