Eternas Histórias de uma Vida Simples

Éramos latinos-americanos, migrando do interior para a cidade grande, mas, ao contrário do poeta, essa imigração se deu dentro do mesmo estado, aqui no Ceará. Nossa família deixou São Luís do Curu rumo a Fortaleza no ano de 1962.

Em meio a uma mudança que parecia quase insignificante, lá estávamos eu, com 2 anos, Roberto com 4, e Cidroca com 6. Além de nós, Wagner veio na barriga e Ricardo no pensamento, formando a lotação do último pau-de-arara.

Nas poucas lembranças que consigo reviver, enxergando o mundo com os olhos de uma criança, tivemos uma infância incrível. Não estou aqui para romantizar, apenas para descrever uma verdade. Ao avaliar todo o contexto daquela época, agora na posição de pai, compreendo as dificuldades enfrentadas por nossos pais para criar cinco pequenos seres cuja razão de viver era comer, dormir e brincar. Alguém pode pensar: "E estudar?" Desculpe, não esqueci; está incluído no "brincar," pois, separadamente, seria omitir a verdade.

A mesma casa de vila que abrigou nosso irmão até ontem, 12/01/2023, é a que nos acolheu ao chegarmos em Fortaleza em 1962. Não tenho histórias tristes da infância, apenas lembranças de amplos espaços para correr, com pelo menos cinco campinhos de futebol ao redor.

Brincávamos de tudo: bola, bila, arraia (pipa), figurinhas, bata, bozó, jou, major filipim, 7 pecados, arrêia, carteiras, esconde-esconde, corrida, vôlei, e uma infinidade de outras atividades que agora escapam à minha memória. Roberto Carlos lamenta, numa música, querer ter um milhão de amigos, e nós tínhamos, talvez até mais que isso.

Estudávamos em escola pública, onde encontrávamos todas as crianças do mundo que eram destinadas a nós. Tinha merenda, local para dançar, amigos para brincar, e tudo mais que aquele espaço podia oferecer.

E então, como canta Belchior: "E veio o tempo negro..." Sem aviso, nosso pai nos deixou. De sete, passamos para seis. A dor da perda latejava em nossas mentes, e para nossa mãe, além dessa dor ampliada, martelava a responsabilidade de criar cinco filhos sem dinheiro e sem experiência profissional.

A providência, contudo, estava de plantão e resolveu o problema material em dois tempos, com a ajuda dos tios Amélia e Jorgelito (uma história conhecida pelos mais próximos, que talvez conte novamente outra vez).

Seguramos em mãos fortes, e apenas eu alcancei a graduação na Universidade Federal do Ceará. No entanto, no semestre da minha graduação, nosso segundo irmão foi atingido por um punhal, reduzindo a família para cinco.

A vida e o tempo seguiram seu curso, respeitando apenas suas próprias vontades. Em dezembro de 2017, levou nossa mãe aos 84 anos. A partir dali, éramos quatro. A vida continuou, enfrentando uma pandemia, mas ao contrário de muitos, resistimos, não sabemos ao certo como, e chegamos até ontem.

Nosso irmão mais velho, Cidroca, parou de respirar por problemas cardíacos, segundo o médico legista, e agora somos apenas três.

Tornei-me o mais velho dessa simples família, que sobrevive com o pouco que conseguiu acumular dos muitos ensinamentos recebidos ao longo do caminho.

Vejo claramente o cenário mudar, e na minha paixão pela vida, travo uma constante luta para ter, nem que seja, um pequeno papel nesse teatro do qual fui protagonista.

Viver sempre foi, e sempre será, a melhor e a pior coisa da nossa existência. Quanto ao morrer, nada posso dizer, mas se um dia for possível descrever, certamente farei isso com gargalhadas, as mais sinceras de toda minha vida, pois só assim terei a certeza da existência de uma eternidade.

Parça: CG

jrogeriobr
Enviado por jrogeriobr em 23/01/2024
Código do texto: T7983058
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