...Para reler no decurso

Mora nesta rua a saudade do tipo menos densa. Na outra esquina rarefeita sobram lembranças.

Algumas edificações permanecem dando sinais de ontem.

Formamos uma cidade nas profundezas da alma.

No fundo existem as mesmas coisas, escrevemos sobre as mesmas pistas, sobre os mesmos cristais e muros. Vivemos desta abstração universal e única. Passo volátil improvisado de sonhos indolores.

Chuva pisada com modos. Vento respirado com ternura.

Voltando ao que sentia, nunca me canso de saborear dois tempos: tempo de viver e tempo vivido. A relembrança domesticada pela aceitação, espécie de descarte de sentimentos no plano celestial, surge como resumo de alternativa. São objetos sustentados e convertidos em significado para sempre.

Noite.

No quintal de fundo as frutas guardam a nostalgia do doce. Brilho de cristal da varanda. Lugares redivivos brotam noturnamente na luz da alma em plena escuridão. E vejo com admiração tudo junto, o morto ainda jovem nas páginas que nunca li. Sedento de sombra no deserto aponta a crônica da existência pacata, inexpressiva. A linfa onírica iniciada no bocejo possui o poder de alcançar o sonho. Como se uma simples flagrância produzisse o ouro iluminado.

Não. Nunca desejei o ouro nem a púrpura. Fiquei fiel aquele menino feliz diante da laranjeira carregada.

A divindade fina da fruta, a contemplação da revoada de pássaros desconhecidos, encantados pelo enigma do canto. Diálogo interminável entre nós prosseguia em todos os cânticos.

Tarde prateada no cais entre barcos acabava brilhando no negrume da noite. O pai chegando de branco tal qual o cisne do hino. Presentes exclusivos dos olhos solitários devorando luzes e ânsias.

Recurso para reler com desembaraço no decurso.