Arroio Saudade

Sentado no banco desconfortável , mas decente do consultório de oftalmologista, olhos fechados, ardendo de colírio, ouvindo a música “Bambino” de Na Ozetti, com pensamentos vagos sobre um sem-número de coisas, fui assaltado por um pensamento interventor: Ela surgiu do nada. Trazia um cheirinho de alfazema característico e um sorriso doce contrastando com o olhar grave e calmo. Vó Cota apareceu e sua voz que se calou a tantos anos, misteriosamente falou-me algo, que não me recordo mais. Era a mesma voz que um dia me contava as peripécias do dia, interrompendo repentinamente para sempre! Despertei desse vagar. Abri os olhos ardentes e ao meu lado, uma senhora japonesa -magrinha, fazia palavras cruzadas! Fechei novamente os olhos e lembrei-me das fotos da minha avó! Tão linda… Tão jovem! Meus olhos já não ardiam. Minha alma sorriu e eu pensei: Quero ela! Quero quando morrer, se possível for, que minha avó Cota me desperte. Que estejam com ela, minha mãe, meu pai, minha avó Natalina e meu avô Messias! E para o meu espanto, eu pensei que poderia morrer sem medo, pena, dor e remorsos -quando for o tempo mais adequado. Não tenho medo. Nem tenho ansiedade… Tenho saudade apenas!

Marcos Aurelio Paiva
Enviado por Marcos Aurelio Paiva em 20/02/2024
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