Foi-se um delegado de costumes

Jânio Quadros cometeu o ridículo de ser delegado de costumes. Por essência, a ideia de ser todo-poderoso incluiu essa mania. Todo aquele que se embrenha neste sentido olha por uma janela delirante, repara no nariz torto dos outros. Estranha gente obesa, voz feminina em bruto. Fumante por liberalismo. Mulher de biquíni sumário, então, inconcebível. Causa impressão e até sentimentos, ofuscando o seu poder perdido. Bem tentou ser delegado de costumes e continuará tentando sem dote para cavalheirismo. Todo autocrata sequioso quer modificar a geografia com lápis. O pior sintoma.

O delegado de costumes calcula regras para melhorar o mundo em plena desordem. Avança sobre a multidão perdida na rua sem alma de chicote e fuzil. Todos devem cair em suas mãos de artífice completo.

Aterrar o lameiro para evitar criança doente, isso é outra coisa. Etnocídio dos índios, nem pensar. Que desmatem! Que arranquem ouro com o sangue de mercúrio das crianças.

Depois do rei só cabe o absolutismo nas mãos de presidentes tiranos com discurso de agente de costumes. Jânio tornou-se intolerável, dando lugar as forças incultas da real inclinação do povo: andar à vontade pelas ruas da liberdade. Parecerá “estereótipo”, mas é verdade.

A Alma Encantadora das Ruas, obra de João do Rio, está a me fascinar como diriam os amigos lusitanos. “A rua criou o garoto!” Que bela frase brilhante deste cronista. Frase pequena e imensa. Nas ruas de hoje estão destinadas multidões de crianças entre lama e feridas. Fome consumida pela sociedade ilusória que nunca os alcançará. Mesmo que os meios de comunicação prometam incessantemente o direito ao bom e melhor. Faltará vaga na escola, no trabalho, na creche, e na dança das cadeiras sempre ficará de fora. Restará a placa do cérebro a imagem de vídeo, hipnotizando-o na fila dos hospitais, sem vaga. Arrojar-se-á ao tráfico e será sacrificado no menor movimento suspeito. Perdemos no mínimo grandes soldados, grandes médicos, grandes enfermeiros, grandes mestres, grandes cientistas. Perdemos o Brasil para o Brasil na força bruta.

A fome encontra progresso aos especuladores. A fome que passeia por todas as ruas do mundo.

O governo anuncia aumento no salário mínimo. Oh! Sim, os preços têm alma! Mal anunciam “reajuste” e os valores dobram, triplicam de valor. O governo devia aumentar em sigilo, é quase crime avisar antes. Certas desgraças parecem caminhar pelas mesmas ruas da história.

Não mudam de lugar como queria João do Rio.

27/02/2024