Chuva grossa no Sertão!

Naquela noite a chuva foi tão grossa que não passou nos buracos do telhado, com isto Mario e Josefa, que dormiram abraçadinhos, nem perceberam que Deus ouvira as suas “rogâncias” aos céus.

Desde o início de janeiro eles gastavam o couro dos joelhos rogando ao Criador que o firmamento se anuviasse e do cinza caísse água para o novo ano ser diferente. Já havia meio ano e três meses que os pequenos respingos de chuva mais pareciam consolo do que solução. A roça todas perdidas e até os tomates haviam secado. Um drama que só Ele ou os carros pipas da prefeitura poderiam solucionar.

Acordou como sempre preocupado com o pão daquele dia, olhou no bolso e para o fogão e lenha já havia acabado o feijão cozido e na lata não tinha nenhum a cozinhar. Lembrava no pensamento que a roça parecia um paiol de palha, tudo seco. Abriu a porta lentamente com o cabo da escola de dentes, que nem cachimbo, segura pelos dentes. Ah! E a escova caiu e ficou imprestável o dentifrício. Mario chamou Josefa, pediu novo dentifrício. Não podia agradecer ao Pai Celestial de boca suja. Afinal nem quando seu pai biológico era vivo o beijava sem que tivesse feito a higiene bucal.

De camisa trocada, banho tomado, pois corpo sujo não ficaria bem perante Deus! Ajoelhou-se a beira da cama, no mesmo piso cimentado já afundado onde ralava os joelhos por horas de pedidos, mas desta vem para dizer obrigado. Agradecia o que viu ao abrir olhos e a porta também; o chão encharcado e o verde voltando a brilhar como passagem livre para uma boa safra. Os caroços de melancia atirados pela janela iriam germinar e em breve poderia com os grandes frutos lambuzar a cara, como símbolo de fartura no Sertão para qual foi levado na barriga da mãe anparada pelo pai.

Desde o seu nascimento, criancice e “adulterice” Mario ali morava feliz, se casou com a vizinha, com quem desde criança brincava, pois se é abençoado o casamento de José e Maria, de Mario e Josefa também deveria ser. Ali era o paraíso sem maçã, fruta arredia a nascer no solo sertanejo, e quando vinga não é tão saborosa como as dos sul. Uma esposa, um lar, um casal de filhos que ainda dormia. “Pra que acordar as crianças cedo”, sempre dizia, para que os pequenos pudessem sonhar com o sorvete de baunilha que domingo elas teriam. E com a felicidade que irradiava permitiria até colocar cobertura de chantili.

Pela manhã foi do trabalho de plantar às sementes guardadas, e ao som da enxada fazendo sulcos na terra cantava a música “Grande Sertão”, de Xavantinho: “Ei o sertão é meu lugar / nos campos e matagais / onde canta os passarinhos / nas colinas das gerais” Sua alegria era tanta que não faltavam frases de louvor. De minutos em minutos agradecia a Deus, ao fim da tarde reuniu os amigos, vizinhos e o pastor para um culto, uma moção de agradecimento pelas bênçãos recebidas. Café quente e mandioca cozida regada de manteiga de litro; uma manteiga retirada da nata do leite por cozimento, iguaria especial do sertanejo. Mário tão feliz que estava, e na sua simplicidade sertaneja nem percebeu o que disse: “Esse diabo de Deus é bom!”, agradeceu!

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Seu Pedro acha que no filme "Cantando na Chuva", um musical repleto de passagens alegres, faltou o personagem Mario...