Muita chuva pouco lucro!

Naquela tarde as nuvens esperavam a ordem do firmamento para desaguar sobre o Sertão, aquela anciã sertaneja já sentia o peso da velhice no corpo o que a impedia capinar e sulcar a terra, como outrora, para plantar as sementes para a safra promissora neste novo ano. Mas aquela senhora se senta firme para acender a vela, não por uma acidental fala e energia rural, mas para agradecer a Deus as nuvens carregadas. Com todas as mulheres jovens no mato, sobrou-lhe a tarefa de coar o café valente; aquele café que vai só sem nada lhe acompanhando, tudo bem feito no velho fogão de lenha seca colhida antes da providencial chuva que cairia. Sem as chuvas a lenha armazenada iria durar mais outra safra, não haveria mais o que cozinhar!

A família esperava o retorno da capital do velho e experiente avô, que lá fora centenas de quilômetros fazer uns exames em um hospital, onde lhe dissessem as poucas diabruras que a vida de oitenta e tantas primaveras ainda o permitisse fazer. Os lábios ressecados da vovó tremelicam de ansiedade em tê-lo próximo e pergunta-lhe sobre como foi à viagem. Chegou e a esposa de tantas bodas festejadas a dois, providenciou o café com chimangos e beijus de coco, pãezinhos regados à manteiga de litro, e sem dizer do cuscuz de milho verde. Tudo para receber o ancião cuja demora em vir coincidia com o dia de semear.

Toda terra preparada com as sementes já enterradas. Nos céus os trovões seguiam-se dos raios que cruzavam o céu como flashes de máquinas fotográficas digitais, descarregando imediatamente as imagens de um sertão que de tanta alegria dançava na chuva. As velhas enxadas pediam urgentes pedras de amolar, mas o esforço surpreendente daqueles homens molhados daria inveja a grande tecnologia, que concorre com a tradicional cultura familiar. O novo ano sugeria fartura.

Os meses passam as plantas crescem; os capulhos do algodão, as vagens do algodão, as espigas de milho. O que plantaram colheriam em dobro, os constantes agradecimentos com os olhares abençoados do vovô, que naquele torrão nunca tinha visto algo igual, faziam com que a família imaginasse o melhor, e a pequena menina, nos seus sete anos verdadeiros sonhava com a boneca que naquele ano seu pai poderia lhe dar, com o lucro da plantação. As velhas camionetes estavam abarrotas, o medo era que os pneus carecas estourassem. Uma viagem de sonhos na madrugada, uma esperada ida a Central de Abastecimento, onde o que na terra deles foi produzido seria vendido.

O atravessador lhes ofereceu pelo algodão a cotação da china, de graça igual loja de R$ 1,99, O milho e o feijão houve sobra na produção. Todos pensaram em plantar igual, o preço foi para a metade do que no ano anterior quando a falta de chuva castigou. O governo não tem verba para seguro simplificado e regulador dos preços nas castigadas safras sertanejas. Continuará distribuindo bolsas paternalistas e eleitoreiras, e os votos e velas de agradecimento não mais haverá, vovô e vovó estão enterrados com os sonhos. Por que choveu e as águas levaram nas corredeiras os preços justos; o salário do sertanejo agricultor. A menina terá que se contentar com uma boneca de espiga de milho!