VONTADE DE SER.

O menino cresceu e jamais conheceu a avó. Nunca soube o que era entrar numa loja para comprar um par de chinelos. Seus calçados, quando havia, sempre foram maiores que os seus pés. Sempre vestiu os restos dos outros, fuxicados e ultrapassados, surrados pelo uso. Cresceu sem conhecer uma sala de cinema. Seus filmes foram construídos pela sua fértil imaginação, puxada por boizinhos de osso, tratores de carretéis e cebo de vela, bolitas de vidro, as lascadas que sobravam, pandorgas de papel de pão e rabiola de jornal. Sonhos? Ah sonhos benditos! pois de sonhos se constroem realidades concretas e felizes. Custam muito mais do que comprar para ter. Custam o conquistar com esperança, a dedicação com objetivo e a boa vontade desmedida de querer ser. Com tanta desventura e miséria tudo ainda é mais sofrido. Entendeu um dia que havia nascido para ser mais um, mas não era o que almejava. Quis ser mais. Transformou suas agruras em perseverança, seus desenganos em positividade e buscou na sabedoria o consolo para sua ignorância. Bebeu da taça da vida e soube tirar das amarguras a força para embelezar o caminho. Na justiça encontrou a retidão para construir seu caráter. Trabalhou, estudou e à custa de muito sacrifício, formou-se.

Cresceu, cresceu e cresceu...

Hoje, quando caminho pelas ruas de minha cidade vejo tantos meninos que não conheceram suas avós e que nunca entraram numa loja para sequer comprar um par de chinelos. Vejo-os vestidos com roupas recebidas por caridade, fuxicadas e algumas vezes rasgadas pelo constante uso. Fito os seus semblantes e encontro a ausência dos filmes, mesmo que construídos com brinquedos criados pela imaginação, mas que brinquedos? Que imaginação? Sonhar custa caro, muito caro e o desemprego e a fome não lhes deixam sonhar. A desesperança, a falta de objetivos, a oportunidade de estudar, a mudança dos tempos, e hoje, não temos mais a esperança de crescer e tirar da taça da vida a bebida da sabedoria sem amargores. Com muito mais amargores, sem horizontes. Mas, também, perdemos a perseverança, não temos mais a positividade e a justiça. Não temos mais retidão. Falta caráter. Falta estudar. Falta crescer...

Menino! Tu que cresceste e soubeste superar os desafios da vida, vem em ajuda fraterna e solidária aos teus irmãos que vivem nas ruas e que perderam os valores e as forças para crescer.

Do livro "Crônicas, Contos e Poesias" editado pela Editora e Gráfica Universitária da UFPel em 2007, lançado na 35ª Feira do Livro de Pelotas/Rs.